Por Fabrício Vitorino*, G1


Débora Garofalo, professora indicada ao prêmio de melhor do mundo, dá aula em Dubai — Foto: Fabrício Vitorino

“Eu espero que vocês tenham vindo preparados para botar a mão na massa”. Assim Debora Garofalo, professora de São Paulo e uma das 10 finalistas do do Global Teacher Prize, começou sua aula experimental durante o Global Skills and Education Forum, realizado em Dubai, nos Emirados Árabes. Além do título de “melhor professor do mundo”, o “Nobel” da educação, promovido pela Varkey Foundation, dá ao vencedor o prêmio de US$ 1 milhão.

Durante 30 minutos, professores, pesquisadores, políticos e investidores de todo o mundo puderam se sentir como as crianças da Escola Municipal Almirante Ary Parreiras, na periferia de São Paulo. “Vai ser uma aula divertida. No final, nós vamos testar o nosso protótipo e ele vai ter que funcionar!”, disse Débora, para uma plateia ainda desconfiada, mas que já se mostrava interessada.

Aos 39 anos – 14 deles dedicado às salas de aula – Debora mostrou segurança mesmo dando sua aula em português. Com firmeza, mas sorrindo, a professora traçou um panorama geral sobre o Brasil e mostrou uma de suas primeiras dificuldades: alunos que não podem ir às aulas em dias de chuva por conta do lixo que se acumulava nas ruas. “As casas deles eram invadidas por água, e isso era provocado pelo lixo. Essas crianças conviviam com doenças como dengue e leptospirose”, disse, arrancando olhares dos presentes que, em sua maioria, sequer sabiam o que era leptospirose.

Com sala cheia, cerca de 50 pessoas de dezenas de nacionalidades participaram da atividade da brasileira — Foto: Fabrício Vitorino

A sala, lotada, começava a entender que a motivação de Débora era mudar a realidade dos alunos. Ao entender um problema social, a professora formulou um plano de ação e encontrou na robótica a forma perfeita de atingi-los e conquistá-los. “Essas crianças começaram a perceber que têm um lugar no mundo. E que não é aquela realidade que vai determinar o que elas serão. São elas que vão determinar”. Uma pausa de alguns segundos – o tempo necessário para os tradutores entregarem a mensagem – separa a frase de Debora dos aplausos. Uma das raras vezes que um professor é aplaudido durante uma aula experimental no Fórum, não ao final.

Em seguida, a professora justifica sua opção pela robótica e pela tecnologia. Ela explica que é preciso desmistificar esses conceitos e optar pela cultura “maker”: o velho “faça você mesmo” reinventado no “faça antes e reflita depois”. Aprender fazendo, errando, repetindo e acertando. Mas isso só é possível com a participação dos alunos.

“A criança tem que ser trazida para o centro do processo de aprendizagem. Que ela se torne protagonista. E a escola só faz sentido se a criança vivenciar esse protagonismo”, diz.

É a deixa para, em seguida, Débora distribuir canetas, pilhas, fios, dezenas de pequenos motores de brinquedo, cola quente, fita isolante e ferramentas. No centro da sala, uma enorme folha parda estendida no chão ainda despertava curiosidade dos presentes. “Nós vamos fazer esse monte de lixo pintar o papel?”, pergunta uma professora russa, surpresa. “Vocês vão montar esse robozinho em exatamente 12 minutos”, diz Débora, arrancando risos desconfiados da plateia. “Por isso, vocês vão exercitar a colaboração”.

Aula experimental da professora Débora Garofalo, em Dubai — Foto: Fabrício Vitorino

Ao longo dos 12 minutos, as mesas, compostas por seis pessoas em média, tentavam entender quais peças se encaixavam, o que fazer com a cola quente, quais fios passavam por onde e se ligavam ao que e, mais importante, conversavam. Algumas mesas eram compostas por delegados de muitas nacionalidades: eslovacos, russos, americanos, franceses, australianos, brasileiros, chineses, indonésios, indianos, paquistaneses, nigerianos, quenianos... Todos buscando colaborar, encontrar saídas criativas e soluções engenhosas para fazer seus robozinhos se mexerem e pintarem o papel.

Jayse Ferreira, brasileiro que ficou na lista dos 50 melhores professores do mundo, ajuda “alunos” na aula de Débora Garofalo — Foto: Fabrício Vitorino

E aí aparece Jayse Ferreira, outro professor brasileiro que entrou no top 50 do ranking de melhores professores do mundo – mas não ficou entre os 10 finalistas. Fotografando, filmando, rodando de mesa em mesa, explicando, orientando e atuando como um facilitador, Jayse mostrou tua sua generosidade ao ajudar a colega Débora. “Quem quer que ganhe, é o Brasil. Eu nunca vi Débora como uma concorrente e nós não viemos lutar pelo prêmio, nós lutamos pela educação. Nós queremos mostrar que o Brasil tem trabalho de qualidade apesar de toda a dificuldade”, diz o professor que ensina artes na rede estadual de Itambé, em Pernambuco.

Alunos de diferentes países conversam e montam robôs a partir do lixo — Foto: Fabrício Vitorino

No final dos 12 minutos, quando os primeiros robôs já pintavam o papel pardo estendido no chão da sala de aula de Dubai, Débora pega o microfone e lembra: “Parabéns. Percebam que vocês usaram lixo para fazer robôs”.

E nem a língua não foi um empecilho, diz a brasileira: “Fomos na mímica, na simpatia, vendo tudo o que eles usaram de colaboração, empatia, resolução de problemas”. Mas, perguntada se os adultos de Dubai foram mais rápidos que as crianças de São Paulo, Débora dá uma pausa, olha fixo e diz, com uma sonora gargalhada: “Foram mais devagar”.

Robôs com pernas de canetinha pintam o chão após aula de Débora Garofalo, em Dubai — Foto: Fabrício Vitorino

Enquanto as pernas de robôs – feitas de canetinha – rabiscavam círculos irregulares, as equipes comemoravam efusivamente, com aplausos, apertos de mão, gritos de “yes” e abraços. Pareciam crianças. E, naquele momento, os cerca de 50 delegados de dezenas de países do mundo se sentiram exatamente como as crianças da escola Ary Parreiras, na periferia de São Paulo: transformando, todos os dias, o lixo em robôs.

* Fabrício Vitorino viajou a convite da Varkey Foundation

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