O fascismo presente

Imagem_ColeraAlegria
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por RICARDO GEBRIM*

O movimento bolsonarista já ganhou base, articulação, identidade ideológica e sobreviverá, mesmo sem Bolsonaro, que pode até se converter em vítima heroica se afastado

Ainda que as forças populares estejam extremamente fragilizadas, afastar Bolsonaro da Presidência é uma tarefa central, decisiva, que enfraquece qualitativamente o fascismo, embora não implique em sua derrota definitiva.

Estruturou-se uma corrente neofascista em nosso país. É preciso ter claro que ela sobreviverá, mesmo que Bolsonaro venha a ser derrubado do governo. O movimento bolsonarista já ganhou base, articulação, identidade ideológica e sobreviverá, mesmo sem Bolsonaro, que pode até se converter em vítima heroica se afastado.

A consequência dessa constatação não é menosprezar a luta pelo “Fora Bolsonaro”, fundamental nesse momento. Ela serve para considerarmos que o neofascismo seguirá, evidentemente enfraquecido no caso de um impeachment, porém, atuando no cenário político e talvez, até mesmo convertendo seu líder em vítima a ser redimida, pronta para reaparecer diretamente ou através de seus filhos como um salvador diante da profunda crise.

Esta é a questão essencial. A profunda crise que se desenha no horizonte.

Na esteira de três anos de estagnação e após dois anos de brutal recessão, as perspectivas são assustadoras. Diante de todo o previsível caos, a corrente neofascista, agora estruturada e presente no tabuleiro político, incidirá, convertendo-se em partido, ou agindo partidariamente com sua articulação de milícias digitais, nas redes sociais, atuante como um componente forte no cenário político. Suas vinculações com setores militares – mesmo que não tenhamos mecanismo para aferir esse grau de apoio, sua penetração nas polícias militares estaduais (essa mais evidente), bem como as relações que foram construídas com alguns grupos neopentecostais tendem a se manter, senão integralmente, ao menos parcialmente.

Portanto, isso deve ser considerado. Repito. Não para enfraquecer a luta pelo impeachment ou outra forma de afastamento de Bolsonaro, mas para considerar o que nos espera na luta política do próximo período.

Recordemos que, no atual contexto, o desejado afastamento de Bolsonaro da Presidência da República dependerá fundamentalmente de uma disputa no bojo das representações burguesas, com baixa incidência das forças de esquerda. Questão que não só gera dificuldade para uma postura consequente e firme nessa luta, como estará inevitavelmente marcada pela conciliação.

Sem uma luta de massas, sem a entrada em cena das classes trabalhadoras que enfrentam a mais brutal perda de direitos de sua história, as possibilidades de Bolsonaro sofrer um impeachment dependem muita mais da revelação de novos fatos de extrema gravidade, do que da ação articulada da oposição em torno dos crimes dos responsabilidade já cometidos.

Mantendo-se no governo, o movimento bolsonarista se aproveita do imenso caos, da tragédia sanitária sem precedentes que dispara o crescimento avassalador do número de mortos, da fome e do desemprego.

Há uma combinação que deve ser considerada em nossas análises. O governo Bolsonaro aposta no caos, o movimento neofascista germina no caos, e sua base de apoio militar precisa desse caos para justificar suas intenções intervencionistas.

Paulo Guedes já anunciou que pretende lançar um programa de “Renda Mínima”, que seria “mais abrangente que o Bolsa Família”, com descarado intuito de construir uma base eleitoral, ante seu solene desprezo pela pobreza.

Outro fator deve ser lembrado. Os impactos econômicos tendem a forçar as diversas frações burguesas a buscar no Estado a recomposição de suas taxas de lucro. À nenhuma delas interessa dividir esses recursos financeiros com a população. Tal contexto favorece o apoio da burguesia a governos autoritários e repressivos, capazes de implementar medidas que aprofundem e sustentem extrema desigualdade. O neofascismo seguirá se apresentando enquanto essa alternativa.

Estamos diante de uma importante oportunidade para exigir o impeachment de Bolsonaro. Sua perda de base social especialmente na classe média, sua tensão com o Supremo Tribunal Federal e setores do parlamento, seu isolamento mundial. Mesmo com uma capacidade de ação diminuta, as forças populares devem se envolver ao máximo nessa luta, construindo, de forma pontual, ações conjuntas com todos que somem ao “Fora Bolsonaro”.

Caso se mantenha no governo, a conjunção de forças que o sustenta terá elementos para recompor a unidade das frações burguesas, por ora abalada, mas ainda não desfeita e disputar parcelas dos setores mais pobres através de programas sociais. O neofascismo se mostra ofensivo mesmo diante dos maiores ataques e usa todas as oportunidades para avançar em torno de seu programa máximo: a mudança de regime político com o fechamento dos espaços democráticos.

As forças populares e de esquerda precisam avançar em sua unidade programática, recompor sua capacidade de representação das classes trabalhadoras, colocar-se com um programa condizente com essa tarefa, pressuposto primordial para enfrentar o principal desafio, única forma de retomarmos nosso papel no cenário político.

*Ricardo Gebrim é advogado e membro da Direção Nacional da Consulta Popular.

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
André Márcio Neves Soares Everaldo de Oliveira Andrade Yuri Martins-Fontes Érico Andrade Carla Teixeira João Sette Whitaker Ferreira Tadeu Valadares Rodrigo de Faria Luiz Renato Martins Remy José Fontana Eugênio Bucci Atilio A. Boron Heraldo Campos Bernardo Ricupero Denilson Cordeiro Mário Maestri Francisco Fernandes Ladeira Marcelo Guimarães Lima Renato Dagnino Antônio Sales Rios Neto Flávio Aguiar Fábio Konder Comparato Flávio R. Kothe Fernão Pessoa Ramos Manchetômetro Michael Löwy João Carlos Salles Bruno Machado Dênis de Moraes Milton Pinheiro Paulo Nogueira Batista Jr Daniel Costa Sergio Amadeu da Silveira Lincoln Secco Paulo Sérgio Pinheiro Marcos Aurélio da Silva Eugênio Trivinho Julian Rodrigues Liszt Vieira Gerson Almeida Eduardo Borges Alysson Leandro Mascaro Walnice Nogueira Galvão Luiz Carlos Bresser-Pereira Tales Ab'Sáber Luiz Bernardo Pericás Antonio Martins Michael Roberts Bruno Fabricio Alcebino da Silva Vladimir Safatle José Luís Fiori Manuel Domingos Neto Gilberto Maringoni Daniel Brazil Matheus Silveira de Souza Gabriel Cohn Leda Maria Paulani Ladislau Dowbor José Costa Júnior Slavoj Žižek Kátia Gerab Baggio Plínio de Arruda Sampaio Jr. Andrés del Río Rubens Pinto Lyra Lucas Fiaschetti Estevez Marilena Chauí João Carlos Loebens Marcos Silva Igor Felippe Santos Luiz Marques Ronald Rocha Marilia Pacheco Fiorillo João Adolfo Hansen Michel Goulart da Silva Leonardo Avritzer Elias Jabbour Benicio Viero Schmidt Ricardo Antunes Luís Fernando Vitagliano Daniel Afonso da Silva Ronald León Núñez Henri Acselrad José Micaelson Lacerda Morais Carlos Tautz Andrew Korybko Paulo Capel Narvai Armando Boito Leonardo Sacramento Paulo Fernandes Silveira Marcus Ianoni Fernando Nogueira da Costa Alexandre de Lima Castro Tranjan Henry Burnett Ronaldo Tadeu de Souza Celso Favaretto Luciano Nascimento Celso Frederico Thomas Piketty Bento Prado Jr. Priscila Figueiredo Ricardo Musse Tarso Genro José Machado Moita Neto Alexandre de Freitas Barbosa Marjorie C. Marona Mariarosaria Fabris Antonino Infranca Osvaldo Coggiola Juarez Guimarães Gilberto Lopes Otaviano Helene Leonardo Boff Salem Nasser Chico Alencar Jorge Branco Paulo Martins Lorenzo Vitral João Paulo Ayub Fonseca Airton Paschoa Caio Bugiato Anselm Jappe Eleutério F. S. Prado João Lanari Bo Luiz Eduardo Soares Luiz Roberto Alves André Singer Annateresa Fabris José Raimundo Trindade Vinício Carrilho Martinez Francisco Pereira de Farias Ari Marcelo Solon Jean Marc Von Der Weid João Feres Júnior Sandra Bitencourt Claudio Katz Eliziário Andrade Jean Pierre Chauvin José Dirceu Ricardo Fabbrini José Geraldo Couto Berenice Bento Eleonora Albano Francisco de Oliveira Barros Júnior Jorge Luiz Souto Maior Alexandre Aragão de Albuquerque Marcelo Módolo Rafael R. Ioris Maria Rita Kehl Vanderlei Tenório Dennis Oliveira Samuel Kilsztajn Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Valerio Arcary Ricardo Abramovay Luis Felipe Miguel Afrânio Catani Luiz Werneck Vianna Chico Whitaker Valerio Arcary Boaventura de Sousa Santos

NOVAS PUBLICAÇÕES