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"Fidel quer mostrar que o regime continua e não vai mudar depois da libertação dos presos políticos", diz ex-embaixador

Talita Boros <br> Do UOL Notícias <br> Em São Paulo

17/07/2010 07h17

Em nove dias, Fidel Castro, 83, fez cinco aparições públicas. O líder da revolução comunista em Cuba não aparecia em público há quatro anos, quando várias cirurgias por uma doença intestinal o colocaram perto da morte e fora do poder --ele se afastou da Presidência e foi substituído  por seu irmão menor Raúl.

As recentes aparições de Fidel acontecem em meio a um histórico acordo entre o governo de Raúl Castro e a Igreja Católica para a libertação, antes de outubro, de 52 dissidentes de um grupo de 75 que havia sido preso em 2003 e condenado a penas entre 6 e 28 anos. Durante suas aparições, Fidel não mencionou, nenhuma vez, as libertações.

Para Roberto Abdenur, ex-embaixador brasileiro em Washington e um dos nomes mais importantes da diplomacia brasileira, Fidel tenta mostrar que a libertação de presos políticos não altera o regime castrista.

UOL Notícias: Com as aparições, Fidel tenta usar a libertação dos presos políticos para capitalizar mostrando uma face menos dura do regime?
Roberto Abdenur: Acho que em primeiro lugar Fidel Castro quer se fazer presente. Ele passou por um período longo com problemas de saúde e no momento que está acontecendo uma coisa importante é preciso ver esse assunto mais amplamente.

Acredito que o importante não é se o Fidel aparece mais ou menos. Ele naturalmente aparece com sua postura tradicional, falando o que sempre disse sobre política internacional. Ele quer mostrar que o regime continua e não vai mudar depois da libertação dos presos políticos. Apesar de eu achar, que mal ou bem, é um processo de mudança, ainda que sutil, mas que começa a acontecer.

UOL Notícias: Um grande número de exilados cubanos vivem nos Estados Unidos, como fica a posição do governo de Barack Obama e o papel ocidental nessa liberação de dissidentes?
Abdenur: Há uma espécie de “diálogo” entre os Estados Unidos e Cuba. O governo Obama, e mesmo forças políticas mais conservadoras nos Estados Unidos, passaram a perceber que o embargo a Cuba é contraproducente do ponto de vista de quem quer a democracia na ilha. Além de também ter resultado durante muito tempo a prejuízos aos Estados Unidos.

É um fato pouco percebido, mas já há vários anos os Estados Unidos têm sido importantes fornecedores de alimentos e produtos agrícolas a Cuba. É muito irônico esta questão, porque o mesmo lobby agrícola que muitas vezes é protecionista no Congresso norte-americano com relação ao Brasil, ao contrário, deseja abrir mercado para os próprios produtos em Cuba.

Quando fui embaixador do Brasil em Washington, do início de 2004 a 2007, testemunhei o início de uma certa mudança generacional na sociedade cubana estabelecida nos Estados Unidos.

Os primeiros cubanos que fugiram no início da revolução comunista e a nova geração de descendentes que já nasceram nos Estados Unidos se sentem profundamente ligados a Cuba, mas estão mais preocupados com seus interesses como cidadãos americanos do que em hostilizar o regime castrista.

O governo Obama é mais moderado, ideologicamente. Então existe uma conjunção de fatores, do lado ocidental, nos Estados Unidos em particular, que são os grandes atores na confrontação com Cuba.

Já na Europa, a Espanha de certo modo lidera na União Europeia um esforço muito equilibrado de ao mesmo tempo colocar pressões sobre Cuba na área de direitos humanos e estimular e tentar facilitar algum progresso nessa área, o que é notável. Agora a diplomacia espanhola conseguiu, a quatro mãos, com a Igreja Católica cubana, a liberação desses dissidentes.

UOL Notícias: E quanto ao Brasil?
Abdenur: Eu lamento muito que a diplomacia brasileira, ao longo de todos esses anos, foi solidária ativamente à ditadura castrista e não ao povo cubano. Vimos a situação vexatória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ironizando os dissidentes cubanos. Alguns dos quais agora liberados, o criticam por isso. E foi um país de fora da região, embora com vínculos fortes com a América Latina, como a Espanha, que hoje consegue abrir essa brecha na muralha da prisão castrista, que continua na ilha, porque o governo cubano está libertando alguns, mas ainda há um número grande de dissidentes que continuarão na prisão. Além de haver outros que podem ser colocados na prisão no futuro.

O Brasil não moveu uma palha nesse sentido. O país deveria dar o exemplo e abrir as portas para aceitar como refugiados políticos outros que venham a ser liberados. Infelizmente, não vejo nenhum movimento do governo brasileiro nesse sentido porque o governo não é solidário com o povo cubano e sim com Fidel e Raúl Castro.