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Liliana Lyra Jubilut João Carlos Jarochinski Silva Larissa Ramina Organizadores A ONU aos 70: contribuições, desaios e perspectivas Adriana Erthal Abdenur Alberto do Amaral Junior Akemi Kamimura Anahi de Castro Barbosa André de Lima Madureira Andréa Regina de Morais Benedetti Andrea Cristina Godoy Zamur Bruna Nowak Caio Bugiato Camila Lippi Camila Sombra Muiños de Andrade Cláudia A. Marconi Cláudia Giovannetti Pereira dos Anjos Christina M. Cerna Daniel Campos de Carvalho Danielle Annoni Deisy Ventura Eduarda Passarelli Hamann Eduardo Biacchi Gomes Fabia Fernandes Carvalho Veçoso Fernanda de Salles Cavedon-Capdeville Fernando Fernandes da Silva Flávia Borges Varejão Flávia de Ávila Flávia Piovesan Gabriela Bueno Gilberto M. A. Rodrigues Gustavo da Frota Simões Joanna de Angelis Galdino Silva João Carlos Jarochinski Silva João Henrique Ribeiro Roriz Jonathan Percivalle de Andrade José Augusto Fontoura Costa Juliana Ferreira Montenegro Kristoffer Lidén Laís Azeredo Alves Larissa Ramina Lisa Stephane Sousa Barbosa Lucas Carlos Lima Luiz Felipe Brandão Osório Marcela Benhossi Marcelo M. Viegas Maria Ivanova Melina Girardi Fachin Mikelli Marzzini Lucas Alves Ribeiro Olavo de O. Bittencourt Neto Paolo Palchetti Patricia Gorisch Pietro Alarcon Rachel de Oliveira Lopes Renata de Melo Rosa Renata Reverendo Vidal K. Nagamine Rodrigo Fernandes More Rui Carlo Dissenha Silvia Menicucci de O. S. Apolinário Tadeu Morato Maciel Tatyana Scheila Friedrich Thiago Rodrigues Valerio de Oliveira Mazzuoli Victor Mendes Vivian Daniele Rocha Gabriel Viviane Mozine Rodrigues Wagner Artur de Oliveira Cabral Wellington Pereira Carneiro UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA - UFRR REITOR Jefferson Fernandes do Nascimento VICE-REITOR Américo Alves de Lyra Júnior EDITORA DA UFRR Diretor da EDUFRR Cezário Paulino B. de Queiroz CONSELHO EDITORIAL Alexander Sibajev Edlauva Oliveira dos Santos Cássio Sanguini Sérgio Guido Nunes Lopes Gustavo Vargas Cohen Lourival Novais Néto Luis Felipe Paes de Almeida Madalena V. M. do C. Borges Marisa Barbosa Araújo Rileuda de Sena Rebouças Silvana Túlio Fortes Teresa Cristina E. dos Anjos Wagner da Silva Dias Editora da Universidade Federal de Roraima Campus do Paricarana - Av. Cap. Ene Garcez, 2413, Aeroporto - CEP.: 69.310-000. Boa Vista - RR - Brasil e-mail: editora@ufrr.br / editoraufrr@gmail.com Fone: + 55 95 3621 3111 A Editora da UFRR é iliada à: UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA Liliana Lyra Jubilut João Carlos Jarochinski Silva Larissa Ramina Organizadores A ONU aos 70: contribuições, desaios e perspectivas Adriana Erthal Abdenur Alberto do Amaral Junior Akemi Kamimura Anahi de Castro Barbosa André de Lima Madureira Andréa Regina de Morais Benedetti Andrea Cristina Godoy Zamur Bruna Nowak Caio Bugiato Camila Lippi Camila Sombra Muiños de Andrade Cláudia A. Marconi Cláudia Giovannetti Pereira dos Anjos Christina M. Cerna Daniel Campos de Carvalho Danielle Annoni Deisy Ventura Eduarda Passarelli Hamann Eduardo Biacchi Gomes Fabia Fernandes Carvalho Veçoso Fernanda de Salles Cavedon-Capdeville Fernando Fernandes da Silva Flávia Borges Varejão Flávia de Ávila Flávia Piovesan Gabriela Bueno Gilberto M. A. Rodrigues Gustavo da Frota Simões Joanna de Angelis Galdino Silva João Carlos Jarochinski Silva João Henrique Ribeiro Roriz Jonathan Percivalle de Andrade José Augusto Fontoura Costa Juliana Ferreira Montenegro Kristoffer Lidén Laís Azeredo Alves Larissa Ramina Lisa Stephane Sousa Barbosa Lucas Carlos Lima Luiz Felipe Brandão Osório Marcela Benhossi Marcelo M. Viegas Maria Ivanova Melina Girardi Fachin Mikelli Marzzini Lucas Alves Ribeiro Olavo de O. Bittencourt Neto Paolo Palchetti Patricia Gorisch Pietro Alarcon Rachel de Oliveira Lopes Renata de Melo Rosa Renata Reverendo Vidal K. Nagamine Rodrigo Fernandes More Rui Carlo Dissenha Silvia Menicucci de O. S. Apolinário Tadeu Morato Maciel Tatyana Scheila Friedrich Thiago Rodrigues Valerio de Oliveira Mazzuoli Victor Mendes Vivian Daniele Rocha Gabriel Viviane Mozine Rodrigues Wagner Artur de Oliveira Cabral Wellington Pereira Carneiro EDUFRR Boa Vista - RR 2016 Copyright © 2016 Editora da Universidade Federal de Roraima Todos os direitos reservados ao autor, na forma da Lei. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação dos direitos autorais (Lei n. 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal. Revisão Ortográica Autores Projeto Gráico Rayresson Lima da Rocha Diagramação Rayresson Lima da Rocha Capa Rayresson Lima da Rocha DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) Biblioteca Central da Universidade Federal de Roraima O58 A ONU aos 70: contribuições, desaios e perspectivas / Liliana Lyra Jubilut, João Carlos Jarochinski Silva, Larissa Ramina organizadores. – Boa Vista: Editora da UFRR, 2016. 1457 p. ISBN: 978-85-8288-099-9 1 - Relações Internacionais. 2 - ONU. - Título. II - Jubilut, Liliana Lyra. II - Silva, João Carlos Jarochinski. III – Ramina, Larissa. CDU – 327.36 A exatidão das informações, conceitos e opiniões é de exclusiva responsabilidade dos autores Os 70 anos da Corte Internacional de Justiça: retrospecto e perspectivas futuras do principal órgão judiciário da Organização das Nações Unidas Paolo Palchetti* Lucas Carlos Lima** Introdução Em seus pouco mais de 70 anos de existência, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) desempenhou importante papel na comunidade internacional na qualidade de principal órgão judiciário da Organização das Nações Unidas (ONU). No escopo de efetuar uma análise da relação entre CIJ e ONU, o principal objetivo deste trabalho é o de identiicar quais são hoje os pontos fortes da ação da Corte, quais as diiculdades que esta ainda encontra e quais são os os desaios que a esperam. Baseado no artigo 92 da Carta das Nações Unidas, “a Corte Internacional de Justiça será o principal órgão judiciário das Nações Unidas”. Esta breve disposição deine as características essenciais da Corte Internacional de Justiça: a Corte é um órgão judiciário; é um órgão da ONU; é o órgão judiciário principal da ONU. Cada uma destas três deinições * Professor Catedrático de Direito Internacional da Università degli Studi di Macerata. Doutor em Direito Internacional pela Università degli Studi di Milano. Foi counsel de Estados em uma série de casos perante a Corte Internacional de Justiça. ** Doutorando em Direito Internacional na Università degli Studi di Macerata. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Mestre em Direito Internacional pela Universidade Federal de Santa Catarina. 313 oferece uma perspectiva diversa a partir da qual se pode examinar e realizar um balanço do papel desempenhado pela Corte nos passados setenta anos da instituição da ONU. A primeira perspectiva conduz à interrogação acerca do peso da função judiciária na sociedade internacional contemporânea e acerca do posicionamento dos Estados em relação ao recurso a um instrumento judiciário de resolução de controvérsias como é a Corte. A segunda soleva a questão do papel da Corte no seio da ONU e nas relações desta com os órgãos políticos da Organização, em particular o Conselho de Segurança. A última refere-se, por sua vez, às relações entre Corte e os outros órgãos judiciários internacionais, sejam eles internos ou externos à ONU. Uma análise exauriente destes três aspectos não pode ser represada no espaço limitado de um artigo. Não é igualmente possível levar em consideração o enorme debate doutrinal que desde sempre acompanha a atividade da Corte1. O escopo deste escrito é muito mais modesto. Limitaremo-nos a examinar somente algumas especíicas questões relativas à atividade da Corte, realizando uma seleção que, somos conscientes, poderá parecer muito subjetiva, se não arbitrária. Sobretudo através de um exame da práxis mais recente, o objetivo que nos propomos é o de identiicar quais, em nossa opinião, são hoje os pontos fortes da ação da Corte, quais as diiculdades que esta ainda encontra e quais sãos os desaios que a esperam. O trabalho será dividido em quaPara uma análise geral da atividade da Corte, os trabalhos de referência são atualmente três: ROSENNE, S. The Law and the Practice of International Court of Justice, 1920-2005. Leiden: Martinus Nijhoff, 2006; ZIMMERMANN, A.; TOMUSCHAT, C.; OELLERS-FRAHM, K. (Orgs.). The Statute of the International Court of Justice: A Commentary. Oxford: Oxford University Press, 2012; e KOLB, R. The International Court of Justice. Oxford: Hart Publishing, 2013. 1 314 tro partes. Inicialmente parece oportuno realizar um rápido exame histórico da construção e sedimentação da Corte Internacional de Justiça, o qual irá traçar similitudes e diferenciações com sua predecessora, a Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI). Em sequência, retomando a deinição contida no artigo 93 da Carta, examinaremos, em ordem, a importância atribuída pelos Estados à função jurisdicional exercida pela CIJ, o papel da Corte no seio da ONU e a relação entre ela e outros tribunais internacionais. 1. A Corte Permanente de Justiça Internacional e sua Relação com a Corte Internacional de Justiça Inluenciadas pela intensa atividade arbitral interestatal ao longo do século XIX, as Convenções da Paz de Haia de 1899 e 1907 portam em seu bojo discussões sobre a criação de um tribunal internacional permanente para dirimir controvérsias entre Estados. O pano de fundo teórico que impulsionava tal intento residia na ideia de que, se o sistema internacional fosse dotado de um órgão judicante similar àquele do sistema Estatal interno, seria possível evitar guerras e manter a paz2. Identiica-se desta forma um primeiro ligame que une os debates do início do século XIX com a Corte: a justiça administrada através de um tribunal internacional permanente vista como um instrumento para garantir a paz nas relações entre os Estados. Este é, com efeito, parte do ideário que circunda o nascimento de uma Corte: a relação estreita que paz e justiça possuem ao caminharem conjuntamente e as consequências na sociedade Cf. WEHBERG, H. The Problem of an International Court of Justice. Oxford: Clarendon Press, 1918; GALINDO, G. R. B. A paz (ainda) pela jurisdiçao compulsoria?. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 57, n .2, jul-dec. 2014. Para maior aprofundamento na questão cf. infra nota 4. 2 315 internacional conduziriam à paz entre as nações. A crítica ao modelo de justiça facultativa arbitral, um “sistema defeituoso para garantia da paz”3, nas palavras de Nicolas Politis, fazia emergir a necessidade de um efetivo sistema de justiça que servisse aos propósitos da paz4. O resultado das Convenções de Haia culminou na criação da Corte Permanente de Arbitragem, órgão que não constituía, em realidade, um tribunal permanente, mas um mecanismo de composição de tribunais arbitrais ad hoc5. O projeto e os debates para a criação de um órgão jurisdicional permanente continuavam, portanto, intactos. Somente em 1921, sob os auspícios da Liga das Nações, vem criada a Corte Permanente de Justiça Internacional, uma Corte que, em seus vinte anos de atividade6, é intensamente inluenciada pelas lógicas da experiência arPOLITIS, N. La Justice Internationale. Paris: Librairie Hachette, 1924. p.93. 4 A literatura sobre paz, justiça e o nascimento de uma Corte é bastante ampla, para uma visão geral cf. CARD, E. R. L'arbitrage international dans le passé, le présent et l'avenir. Paris: A. Durand et Pedone-Lauriel Editeurs, 1877; ARNOLDSON, K.P. Pax Mundi: A concise account of the progress of the movement for peace by means of arbitration, neutralization, international law and disarmament. London: Swan Sonnenschein & Co, 1892; DREYFUS, F. L'Arbitrage international. Paris: Calmann Lévy Éditeur, 1892; RICHET, C. La Guerra e la Pace. Studi sull”arbitrato internazionale. Napoli: Colonnese Editore, 1899; LA FONTAINE, H. Pasicrie: Histoire Documentaire des Arbitrages Internationaux. Berne: Imprimerie Stampeli & Cie, 1902; SCOTT, J.B. The Hague Peace Conferences of 1899 and 1907. v. 1 e 2. Baltimore: The Johns Hopkins Press, 1909; BROWN, P.M. International Realities. New York: Charles Scribner's Sons, 1917; HOIJER, O. La Solution Paciique des Litiges Internationaux. Paris, Editions Spes, 1925; e POLITIS, N. Les Nouvelles Tendances Du Droit International. Libraire Hachette: Paris, 1927. 5 Sobre a questão, contundente é a leitura de SCOTT, J. B. Op. cit. v. 2. p. 319. 6 A CPJI resolveu 36 casos contenciosos e emanou 27 opiniões consultivas de 1922 a 1946. 3 316 bitral anterior7. Estas lógicas se reletem na relação entre a CPJI e a Liga. Nesse sentido, nenhuma disposição presente no Pacto da Liga estabelece funções especiais à CPJI ou deine sua relação com aquela Organização além do artigo 14, o qual somente estabelece a criação de uma corte que oferecerá pareceres consultivos às questões submetidas pelo Conselho ou Assembleia. Todavia, no que concerne à Corte Permanente de Arbitragem, a CPJI constitui um elemento de forte novidade vez que representa um primeiro tribunal internacional dotado de caráter permanente. Como airmava um dos pais fundadores da CPJI, Louis Bourgeois, “this Permanent Court will not be a Court of Arbitration, but a Court of Justice”8. Da mesma maneira que nos tribunais arbitrais, a jurisdição da Corte continuava a depender do consenso das partes. Todavia, e aqui reside a grande novidade, os juízes não eram mais escolhidos inteiramente pelas partes mas integravam a Corte de modo permanente; ademais, as regras de funcionamento eram ixadas no Estatuto e no Regulamento e se impunham às partes. Com a CPJI o tribunal tende a perder a natureza de instrumento nas mãos das partes para adquirir os contornos de um órgão de justiça da comunidade dos Estados. Sobre uma análise da atividade da Corte Permanente, algumas obras são referências como HUDSON, Manley O. The Permanent Court of International Justice 1920-1942. New York: The Macmillan Company, 1943; SALVIOLI, G. La Corte Permanente di Giustizia Internazionale. Roma: Athenaeum, 1924; SPIERMANN, O. International Legal Argument in the Permanent Court of International Justice. New York: Cambridge University Press, 2005; FITZMAURICE, M.; TAMS, C.J. (Orgs.). Legacies of the Permanent Court of International Justice. Leiden: Martinus Nijhoff, 2013. 8 PERMANENT COURT OF INTERNATIONAL JUSTTICE. Advisory Committee of Jurists, proces verbal of the irst meeting, Annex 2 (1920), p. 8. Para esta citação, cf. FORLATI, S. The International Court of Justice: An Arbitral Tribunal or a Judicial Body?. New York: Springer, 2014. p. 1. 7 317 Esta evolução possui um impacto fundamental no plano da autoridade dos pronunciamentos da Corte: se é verdade que as sentenças da CPIJ são obrigatórias e operam o princípio da coisa julgada entre as partes9, o caráter permanente permitiu a solidiicação de um corpo de decisões autorreferenciais, uma jurisprudence constante que data de 1922 e desde logo constituiu ponto de referência para os Estados na identiicação do Direito Internacional. Com a Segunda Guerra Mundial, as atividades da Corte foram interrompidas. Em Dubarton Oaks, em 1944, quando da elaboração do novo sistema internacional através da ONU, o debate sobre o destino da CPJI foi retomado. Por im, decidiu-se extinguir a CPJI e criar um novo organismo que amealhasse o espírito da nascente instituição. Ao mesmo tempo, ainda que fossem instituições diversas10, a busca por preservar um “elo de continuidade”11 entre as duas Cortes permitiu que a CPJI fosse considerada Sobre a questão, cf. BRANT, L. N. C. A autoridade da coisa julgada no direito internacional público. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 10 Cf. Barcelona Traction, Preliminary Objections, p. 31: "In the irst place, owing to the decision to create an international court of justice which would in law be a new entity, and not a continuation of the existing Permanent Court, the dissolution of the latter became essential, for it would not have been a tolerable situation for two such Courts to be co-existing". Outro claro elemento de ruptura entre as Cortes, aponta Cansacchi, é o fato de que os antigos membros da CPJI não se tornaram automaticamente membros da CJI, devendo, pois, seguir o procedimento de entrada na ONU previsto no Capítulo II da Carta de São Francisco. Nesse sentido cf. CANSACCHI, G. Identità e non continuità fra la Corte Permanente di Giustizia Internazionale e la Corte Internazionale di Giustizia. Comunicazioni e Studi, v. 14, 1975, p.125. 11 O termo é do do Rapporteur do Committee IV/1 da Commission IV, Sr. Al-Farsi, em United Nations Conference on the International Organization Documents, n. 13, p. 384. Cf. igualmente JENNINGS, R.; HIGGINS, R. General Introduction. In: ZIMMERMANN, A.; TOMUSCHAT, C.; OELLERS-FRAHM (Orgs.). Op. cit., p56. 9 318 a “predecessora”12 da atual Corte. Nessa ordem de ideias, o artigo 92 da Carta das Nações Unidas presta claro tributo ao fato do Estatuto da CIJ (Estatuto) ser baseado naquele da CPJI. Com efeito, poucas foram as alterações que distinguem os dois documentos: a maior parte adaptando a CIJ aos propósitos da nascente Organização. Ademais, dois artigos do Estatuto estabelecem uma relação de continuidade jurisdicional entre CPJI e CIJ. Segundo estas normas, as cláusulas facultativas (artigo 36 (5)) e os dispositivos em tratados e convenções (artigo 37) que conferissem jurisdição à CPJI deveriam ser interpretados como estabelecendo jurisdição à CIJ13. Outro elemento de continuidade entre as Cortes é a “sucessão jurisprudencial” operada. Ainda que a regra anglo-saxã do precedente obrigatório não vigore plenamente no âmbito da CIJ14, não são poucos os casos em que a Corte fez diretas referências à passagem da jurisprudência da CPJI, concedendo-lhe valor autoritativo. Existem, todavia, distinções essenciais entre as duas instituições que reforçam tanto o caráter inovativo da CIJ, quanto sua relação com a ONU. Signiicativa distinção entre CIJ e CPJI é a relação existente entre as duas Cortes e, respectivamente, com a Liga das Nações e a ONU. Como já referenciado, apesar de ter nasciSobre a questão da sucessão da CPJI pela CIJ, cf. HUDSON, M.O. The Succession of the International Court of Justice to the Permanent Court of International Justice. American Journal of International Law, v. 51, 1957, p.569-573. 13 Cf. CANSACCHI, G. Op. cit., p.132. 14 Nesse sentido cf. SHAHABUDDEN, M. Precedent in the World Court. Cambridge: CUP, 1996; GUILLAUME, G. The Use of Precedent by International Judges and Arbitrators. Journal of International Dispute Settlement, v. 2, n. 1, 2011, p. 5-23; e COHEN, H. International Precedent and the Practice of International Law. In: HELFAND, M. A. (Ed.). Negotiating State and Non-State Law: The Challenge of Global and Local Legal Pluralism. Cambridge: Cambridge University Press, 2015. 12 319 do no âmbito da Liga das Nações, a CPJI não era parte integrante da Organização. Enquanto o artigo 1º do Estatuto da CPJI estabelecia que a Corte fosse criada “em conformidade com o artigo 14 do Pacto da Liga das Nações”, a correspondente disposição adotada em 1945 estabelece que a CIJ opera como “principal órgão judiciário das Nações Unidas”. O artigo 1º do Estatuto da CPJI dispunha que a Corte era criada “independentemente da Corte de Arbitragem, organizada pelas Convenções de Haia de 1899 e 1907, e dos Tribunais especiais de Arbitragem, aos quais os Estados permanecerão sempre livres para coniar a solução de suas controvérsias”, de maneira que a própria referência a outras formas de solução jurisdicional de litígios demonstrava a não centralidade da CPJI no interior daquela Organização15. Outra demonstração do contraste existente entre a relação orgânica CIJ-ONU em relação à CPJI-Liga manifesta-se no fato de que todos os membros da ONU, ao aderirem à Carta de São Francisco, tornam-se membros ipso facto da CIJ (artigo 9 (1) da Carta das Nações Unidas), enquanto que os membros da Liga deveriam tornar-se membros da CPJI através de independente adesão ao Protocolo Adicional. Esta arquitetura permitiu, à guisa de exemplo, que os Estados Unidos permanecessem membros da CPJI por um longo período, mesmo sem conirmar sua adesão à Liga das Nações16. 15 Segundo Gowlland-Debbas "this phrase was also meant to make clear that the Permanent Court of Arbitration was still considered to play an important role and was not to be superseded, but was to exist side by side with the new court". Cf. GOWLLAND-DEBBAS, V. Article 1, In: ZIMMERMANN, A.; TOMUSCHAT, C.; OELLERS-FRAHM (Orgs.). Op. cit. 16 Sobre a questão, cf. MURPHY, S. The United States and the International Court of Justice: Coping with Antonomies. In: ROMANO, C.P.R. (Org.) The United States and International Courts and Tribunals. Cambridge: Cambridge Universtiy Press, 2009, p.46-111. 320 Em contexto, a CPJI foi um órgão jurisdicional que evidenciou as características e contingências históricas do período e da Organização que a acolhe17. A CIJ, valendo-se da experiência de sua predecessora, vem inserida numa arquitetura maior de sociedade internacional cuja principal função é a estabilidade das relações internacionais através da manutenção da paz. Como referenciado por Pellet “aqueles que escreveram a Carta tinham em mente um desenho global coerente: tudo e todos estavam subordinados à manutenção da paz. Como órgão da ONU, a Corte é um elemento deste desenho global”18. 2. A Corte Internacional de Justiça como um órgão judiciário Un moyen de règlement des différends parmi d’autres, non-prioritaire (voire secondaire), de caractère spécialisé et très peu utilisé : voilà les traits caractéristiques des juridictions internationales permanentes. Que de telle entités puissent produire des décisions dotées d’autorité semble alors relever du paradoxe19. Assim escrevia Luigi Condorelli sobre o papel das jurisdições permanentes em 1987. Suas palavras descrevem ainda hoje perfeitamente a situação da Corte Internacional de Justiça: um órgão cujas decisões são dotadas de enorme autoridade e que constituem pontos de referência para a Sobre a inluência e legado da CPJI, cf. TAMS, C.J.; FITZMAURICE, M. (Orgs.) Op. cit., e, igualmente SPIERMANN, O. Op. cit. 18 PELLET, A. The International Court of Justice and the Political Organs of the United Nations – Some Further but Cursory Remarks. In: SALERNO, F. (Org.) Il ruolo del giudice internazionale nell'evoluzione del diritto internazionale e communitario – Atti del Convegno di Studi in Memoria di Gaetano Morelli. Milão: CEDAM, 1995. p.115-124 19 CONDORELLI, L. L’autorité de la décision des juridictions internationales permanentes. In: Id. (Org.) L'optimisme de la raison. Paris: Pedone, 2014. p. 55. 17 321 identiicação do Direito Internacional e, ao mesmo tempo, um instrumento ao qual os Estados recorrem de maneira bastante limitada para resolver as próprias controvérsias. Seria inútil retomar aqui a discussão sobre a autoridade das pronúncias da Corte: muito já foi escrito, mesmo recentemente, sobre o tema20. Pode ser útil, por sua vez, examinar a práxis recente para veriicar quais são as atuais tendências no uso da Corte por parte dos Estados. Não obstante continue a existir uma resistência geral dos Estados em utilizar a CIJ ou, de maneira geral, tribunais internacionais, para resolver as suas controvérsias, pode-se, todavia, dizer que nunca como nas décadas 1990-2010, a Corte encontrou um signiicativo sucesso junto aos Estados. Este sucesso demonstra-se não somente através do número de casos anualmente pendentes perante a Corte, mas também através do conteúdo das controvérsias que a Corte vem chamada a pronunciar-se. Trata-se de um período em que a Corte é investida de um número de casos como jamais na sua história. Estes casos são provenientes de Estados de todas as áreas geográicas do mundo. Ademais, trata-se de casos que por vezes referem-se a situações políticas assaz relevantes: o genoDe recente, pode ser mencionado as obras de TAMS, C.J.; SLOAN, J. (Orgs.). The Development of International Law by the International Court of Justice. Oxford: Oxford University Press, 2013; HERNANDEZ, G.I., The International Court of Justice and the Judicial Function. Oxford: Oxford University Press, 2014; e LIMA, L. C. As decisões da Corte Internacional de Justiça como elemento de desenvolvimento do Direito Internacional. In: DAL RI Jr, A.; MOURA, A. B. (Orgs.). Jurisdição Internacional: Interação, Fragmentação, Obrigatoriedade. Ijuí: Editora Unijuí, 2014. p. 317-348. Para uma visão clássica da temática, sugere-se LAUTERPACHT, H. The Development of International Law by the International Court. London: Stevens & Sons Ltda, 1958; e CONDORELLI, L. Op. cit. 20 322 cídio na Bósnia, a longa controvérsia territorial entre dois importantes países africanos como Camarões e Nigéria e a controvérsia entre o Irã e os Estados Unidos sobre uso da força. Estes casos levam a Corte a pronunciar-se sobre uma variedade extremamente ampla de questões de Direito Internacional: de controvérsias em matéria ambiental (como no caso Papelleras no Rio Uruguai, ou, recentemente, o caso da Pesca às Baleias) a tutela de direitos humanos (como na Opinião Consultiva sobre o Muro ou no caso Diallo), do uso da força nas relações internacionais (no caso das Plataformas Petrolíferas ou no caso das Atividades Armadas no Território do Congo) ao problema da imunidade que goza um Estado (na controvérsia Imunidades Jurisdicionais) e os seus órgãos (na controvérsia Mandado de Prisão). Isto sem desconsiderar todas as controvérsias de delimitação territorial e marítima que a Corte resolveu nestes vinte anos (para fazer somente alguns exemplos, basta pensar nos casos entre Peru e Chile, Burkina Faso e Niger, Romênia e Ucrânia e uma série de conlitos entre Estados da América Central). O relativo sucesso encontrado pela Corte nestas duas décadas não deve conduzir à conclusão que existe uma mudança radical no posicionamento dos Estados. A resistência em valer-se da Corte permanece. Não faltam sinais nesse sentido. O primeiro destes sinais é a manutenção de uma escassa disponibilidade dos Estados em estabelecer de maneira preventiva a jurisdição da Corte. Este elemento tinha já sido assinalado por Luigi Condorelli na ocasião do aniversário de 50 anos da Corte21. O cenário não mudou. Não 21 CONDORELLI, L. Op. cit., p. 121. 323 são muitos os tratados multilaterais concluídos nos últimos vinte anos que contém uma cláusula compromissória reconhecendo a competência da Corte. Entre os mais importantes, pode-se citar a Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidade Jurisdicional dos Estados e de seus bens, de 2005. Todavia, não somente esta Convenção ainda não entrou em vigor (por não ter atingido o número de ratiicações necessário), mas o artigo 27 da Convenção permite a um Estado de esquivar-se da cláusula compromissória através de uma declaração realizada no momento da ratiicação22. O mesmo discurso pode ser feito no que se refere à declaração de aceitação da competência da Corte prevista no artigo 36, parágrafo 2, do Estatuto. Atualmente o número de Estados que realizaram a declaração é de 71. Trata-se de um número não elevado, de quase pouco mais de um terço dos Estados membros da ONU, mas em sutil crescimento considerando que em 2000 as declarações eram 62. Os Estados membros da União Europeia estão entre os principais apoiadores deste mecanismo: vinte e dois Estados de vinte e oito realizaram a declaração unilateral. Das nove declarações a partir do ano 2000, cinco são de Estados membros da União O artigo 27, parágrafo 2, prevê que "Any dispute between two or more States Parties concerning the interpretation or application of the present Convention which cannot be settled through negotiation within six months shall, at the request of any of those States Parties, be submitted to arbitration. If, six months after the date of the request for arbitration, those States Parties are unable to agree on the organization of the arbitration, any of those States Parties may refer the dispute to the International Court of Justice by request in accordance with the Statute of the Court". O parágrafo 3 precisa que "Each State Party may, at the time of signature, ratiication, acceptance or approval of, or accession to, the present Convention, declare that it does not consider itself bound by paragraph 2. The other States Parties shall not be bound by paragraph 2 with respect to any State Party which has made such a declaration". 22 324 Europeia23. Restam ainda, todavia, numerosos Estados politicamente e economicamente “importantes” que não realizaram a declaração. O Brasil, por exemplo, aceitou a jurisdição da Corte Internacional por um período de cinco anos a partir de 1948 e não renovou a declaração24. Para um exemplo mais claro, basta pensar que entre os membros permanentes do Conselho de Segurança, somente o Reino Unido fez a declaração. E não só: também os Estados Unidos, que realizaram a declaração, limitaram a competência da Corte através da adoção de numerosas reservas antes de retirá-la completamente em 1985. Sobre este ponto, todavia, parece emergir uma tendência de limitar o número de reservas. Das dezessete declarações realizadas a partir de 2000, algumas das quais em substituição a precedentes declarações, somente uma, a do Djibuti, contém reservas que, por conta do número e das dimensões, reduzem a poucas as possibilidades de acionar o uso da competência obrigatória da Corte. As declarações de dois Estados, Timor Leste e Dominica, não possuem reservas, enquanto que a declaração da Irlanda subtrai da competência obrigatória da Corte somente as controvérsias com o Reino Unido. Examinando as outras declarações, pode-se identiicar como alguns tipos de reservas não parecem despertar o interesse dos Estados. Desde a reserva feita pelo Djibuti, nenhuma declaração contém a assim chamada reserva sobre tratados multilaterais, através da qual, ao menos segundo uma das diversas variantes, em caso de controvérsia sobre a interpretação ou aplicação de um tratado multilateral, a competência Eslováquia (2004), Alemanha (2008), Irlanda (2011), Lituânia (2012) e Itália (2014). 24 United Nations Treaties Series, Treaty Number I:237, v. 15, p. 221. 23 325 da Corte subsiste somente se todos os Estados parte do tratado são também partes do procedimento perante a Corte. Parece também em declínio a reserva que exclui da competência da Corte as controvérsias sobre questões que entrariam na jurisdição interna do Estado: tal reserva aparece somente nas declarações da Costa do Marim, Chipre, Djibuti e Eslováquia. Sempre em relação ao posicionamento dos Estados quanto à possibilidade de submeter controvérsias à Corte, outro sinal, talvez mais preocupante que aquele indicado em precedência, constitui-se o exíguo número de casos submetidos na Corte nos últimos 5 anos. Atualmente estão pendentes perante a Corte 12 casos. Este dado não deve, porém, conduzir a equívocos: se se considera que 3 causas – aquelas levadas pelas Ilhas Marshall contra Estados possuidores de armas nucleares – possuem um conteúdo substancialmente idêntico, que 5 causas envolvem o mesmo Estado – a Nicarágua, tradicionalmente um cliente muito ativo da Corte – e que duas causas estão substancialmente paradas por mais de uma década, se compreende que o número de causas pendentes seja em substância limitado. Este dado é ainda mais surpreendente se se considera o crescimento nos últimos anos do número de causas submetidas à arbitragem através da Corte Permanente de Arbitragem. É provavelmente cedo para falar-se de uma inversão da tendência por parte dos Estados ou de uma redescoberta da arbitragem em detrimento da Corte. Todavia, o menor número de casos levados à Corte nos últimos anos introduz uma mudança de perspectiva em relação à tendência que se manifestava a partir do im dos anos oitenta. É evidente que esta relutância dos Estados depende, em grande parte, de fatores que fogem do controle da Corte. A Corte não possui muitos instrumentos à própria 326 disposição para incentivar os Estados a apresentarem-se perante ela. Todavia, alguns instrumentos existem. O principal é aquele que passa por uma modiicação e uma adaptação do próprio procedimento e do método de trabalho. Como já ocorrera no inal dos anos setenta – época em que o número de casos era excessivamente diminuto – a Corte poderia buscar relançar a própria imagem através de uma incisiva reforma do próprio Regulamento25. Não pode ser este trabalho veículo de um exame detalhado das questões de procedimento às quais uma alteração no Regulamento possa parecer oportuna. Limitaremo-nos a um único exemplo, relativo aos instrumentos processuais à disposição da Corte quanto esta é chamada a resolver controvérsias que solevam difíceis questões técnico-cientíicas que impõem um atento e complexo exame dos fatos. Pense-se em controvérsias em matérias ambientais ou controvérsias que possuem como objeto extensas violações de direitos humanos como aquelas que foram veriicadas na Bósnia após o período sucessivo ao desmembramento da ex-Iugoslávia. No que tange à primeira tipologia de controvérsias, pode-se notar como, quando a Corte é chamada a resolver questões técnico-cientíicas, ela necessita frequentemente do auxílio de peritos. O Estatuto consente a nomeação de peritos próprios, mas a Corte é muito reticente em utilizar-lhes. Desde sua criação, a Corte apontou peritos somente em 2 casos (Estreito de Corfu e Golfo de Maine), coniando em regra nos peritos e provas técnicas apresentados pelas partes. Este posicionamento da Corte deveria mudar e, para tanto, poderia ser oportuno introduzir novidades no 25 O último regulamento da Corte foi precisamente adotado em 1978. 327 plano procedimental. Pode-se pensar, nesse sentido, num uso mais frequente e lexível de experts com base na prática de outros tribunais internacionais (como o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, por exemplo) ou no uso de assessores26 que oferecessem maior auxílio técnicos aos juízes. Em caso contrário, o risco consiste na possibilidade que as sentenças da Corte em matérias ambientais27 sejam compreendidas como avaliações discricionárias por parte dos juízes que não possuem instrumentos para avaliar os verdadeiros problemas levantados no caso. Quanto à outra tipologia de controvérsias, a questão é ainda mais delicada. A Corte não parece equipada para decidir casos que necessitam a audiência de centenas de testemunhas, o envio de médicos legais in locu ou outros. Diferentemente do que ocorre perante tribunais penais internacionais, o regulamento nada diz quanto ao tema de proteção a testemunhas, oitiva de provas de testemunhas em outras localidades e assim por diante. No momento não são muitos os casos que apresentam este tipo de situação. No caso relativo ao genocídio na Bósnia, a Corte foi muito beneiciada do fato que grande parte das provas tinham já sido colhidas pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia. Estas provas foram utilizadas pelas partes e referidas na sentença de 2007. Permanece o fato que a Corte deveria interrogar-se sobre quais soluções adotar quando um novo caso deste tipo fosse submetido a si por Estados. O artigo 30, parágrafo 2, do Estatuto da Corte dispõe que "The Rules of the Court may provide for assessors to sit with the Court or with any of its chambers, without the right to vote”. 27 Sobre problemas nas controvérsias ambientais perante a Corte e igualmente em outros tribunais, cf. BOYLE, A., HARRISON, J., Judicial Settlement of International Environmental Disputes: Current Problems. Journal of International Dispute Settlement, v. 4, n. 2, p.245-276, 2013. 26 328 Outras modiicações de regras de funcionamento da Corte seriam certamente necessárias. Um meio de aumentar a utilização da Corte seria aquele de consentir o acesso às organizações internacionais. A exclusão de qualquer possibilidade de acesso de organizações internacionais constitui um limite, ora anacrônico, uma “extraordinária anomalia”, para usar a expressão de um ex-Presidente da Corte28. Para remover esta anomalia é necessário modiicar o Estatuto e é muito improvável que se consiga encontrar um acordo político para obter este resultado. 3. A Corte Internacional de Justiça como um Órgão da ONU A orgânica relação entre a CIJ e a ONU se manifesta em diversos dispositivos do Estatuto: o procedimento de eleição dos juízes (artigos 4º-12, Estatuto), as despesas de funcionamento (artigo 33), a determinação dos critérios para o exercício da jurisdição a respeito de Estados que não são membros da Organização (artigo 35), a indicação dos sujeitos habilitados a requerer Opiniões Consultivas (artigo 65) e o procedimento para emendas ao Estatuto (artigo 69). Em correspondência, diversos são os artigos da Carta que posicionam a Corte no interior da estrutura da ONU, cuja função vem prevista enquanto “principal órgão judiciário” da Organização entre os seis principais órgãos (artigos 7 e 92), determinando-lhe a correspondência de membros entre a Organização e a Corte (artigo 93), a obrigatoriedade das sentenças da Corte e sua execução (artigo 94) e estabelecendo quais órgãos da Organização podem requerer opiniões consultivas (artigo 96). JENNINGS, R. The International Court of Justice at Fifty. American Journal of International Law, 89, 1995, p. 504. 28 329 Entre os seis órgãos principais da Organização (artigo 7), a CIJ vem inserida como o principal órgão “judiciário” (artigo 92). Isto signiica que as funções exercidas pela Corte distinguem-se daquelas de caráter predominantemente político destinadas a outros órgãos29. Todavia, tal disposição não cria uma hierarquia entre os órgãos da Organização30. A principal consequência do fato da Corte ser um órgão judiciário consiste numa relação de independência da CIJ em relação aos demais principais órgãos da Organização31. Nesse sentir, alguns são os elementos que indicam esta relativa autonomia da Corte: suas funções são regidas por um Estatuto próprio e não apenas pela Carta das Nações Unidas; o já referenciado fato do Estatuto ser distinto da Carta, embora dotado de igual valor normativo; o fato dos juízes da Corte não serem representantes dos Estados, mas sim “um corpo de juízes independentes” (artigo 2º do Estatuto); e ademais, ser a Corte a aceitar ou não o pedido de emissão de uma Opinião Consultiva. Quanto a este último elemento, a Corte presta cuidadosa atenção à necessidade de proteger sua integridade enquanto instituição judicial e ao mesmo tempo sua função enquanto principal órgão da ONU. Nesse sentido, analisando a questão de sua discricionariedade para oferecer uma CRAWFORD, J.; GRANT, T. International Court of Justice. In: WEISS, T. G.; DAWS, S. The Oxford Handbook on the United Nations. Oxford: Oxford University Press, 2007. p. 203.Sobre a questão cf. TOMKA, P. Article 92. In: COT, J.P.; PELLET, A.; FORTEAU, M. (Eds.). La Charte des Nations Unies: Commentaire article part article. 3. ed. Paris: Editora Economica, 2005. 30 PAULUS, A., LIPPOLD, M. Article 7. In: SIMMA, B. KHAN, D., NOLTE, G., PAULUS, A. (Eds.) The Charter of the United Nations: A Commentary. v. I. Oxford: Oxford University Press, 2012. p. 392. 31 SCHWEBEL, S.M. Relations between the International Court of Justice and the United Nations. Collectif. Melanges Michel Virally - Le droit international au service de la paix, de la justice et du développement, 1991. p. 431-443. Igualmente JENNINGS, R.; HIGGINS, R. Op. cit., p. 56. 29 330 opinião consultiva na questão sobre a Legalidade da Declaração de Independência de Kosovo, a Corte pontuou que: A descrição sobre responder ou não a um pedido de opinião consultiva existe para proteger a integridade da função judicial da Corte e sua natureza como principal órgão das Nações Unidas. A Corte, contudo, é consciente do fato que sua resposta à uma opinião consultiva representa sua participação nas atividades da Organização e, em princípio, não deveria ser recusada32. Na “Declaration of the High-level Meeting of the General Assembly on the Rule of Law at the National and International Levels”, adotada em 24 de setembro de 2012, os Estados membros da ONU “recognize the positive contribution of the International Court of Justice, the principal judicial organ of the United Nations, including in adjudicating disputes among States, and the value of its work for the promotion of the rule of law” e “recall the ability of the relevant organs of the United Nations to request advisory opinions from the International Court of Justice” 33. Na práxis, todavia, este reconhecimento da importância do papel da Corte nem sempre vem traduzido em uma ação concreta dos órgãos políticos da ONU dirigida a favorecer o recurso dos Estados à Corte ou a tornar mais efetivo a intervenção da Corte na solução de controvérsias. Sob este aspecto, existem margens para reforçar a cooperação entre os órgãos políticos e a Corte, sobretudo entre o Conselho de Segurança e a Corte. 32 Accordance with International Law of the Unilateral Declaration of Independence in Respect of Kosovo, Advisory Opinion, I.C.J. Reports 2010, parágrafo 29. p. 416. 33 Cf. UN Doc A/RES/67/1/, parágrafo 31. 331 O Conselho de Segurança possui importante função no que se refere à atividade da CIJ. No interior da arquitetura anteriormente mencionada, que prevê íntima ligação entre os órgãos da ONU e a CIJ, dois são os dispositivos da Carta que coligam a Corte ao Conselho de Segurança. Em se referenciando à função principal do Conselho de Segurança na resolução de controvérsias, o parágrafo 3o do artigo 36 da Carta das Nações Unidas estabelece que o Conselho, ao fazer recomendações para colocar im a uma controvérsia, deverá levar em consideração o fato que controvérsias jurídicas devem ser submetidas à CIJ. Tal artigo, porém, não cria uma necessária obrigação ao Conselho de submeter as controvérsias à Corte, o que vem conirmado pela rara prática relativa a este dispositivo, ainda que diversas controvérsias de natureza jurídica tenham sido originadas desde a fundação da ONU34. Com efeito, até hoje somente o caso Corfu Chanel foi submetido à CIJ tendo como base o artigo 36 (3) da Carta. Tal fato ocorreu porque o Conselho entendeu que a controvérsia entre Reino Unido e Albânia não era meramente política, fazendo-se necessária uma apuração detalhada dos fatos, motivo que levou à “recomendação” às partes de submeter a questão à Corte35. Não há dúvida que esta recomendação não possui o efeito de conferir uma competência obrigatória da Corte em relação a uma controvérsia. Como a própria Corte observou “the Charter contains GIEGERICH, T. Article 36. In: In: SIMMA, B. KHAN, D., NOLTE, G., PAULUS, A. (Eds.). Op. cit., p. 1138. 35 Cf. S/RES/22 (1947). Resolução 22 do Conselho de Segurança da ONU, 9 de Abril de 1947. Sobre a questão cf. DISTEFANO, G.; HENRY, E. The International Court of Justice and the Security Council: disentangling Themis from Ares. In: BANNELIER, K., CHRISTAKIS, T., HEATHCOTE, S. (Eds.). The ICJ and Evolution of International Law: the enduring impact of the Corfu Channel case. London: Routlege, 2012. p.64-65. 34 332 no speciic provision of itself conferring compulsory jurisdiction on the Court. In particular, there is no such provision in Articles 1, paragraph 1, 2, paragraphs 3 and 4, 33, 36, paragraph 3 and 92 of the Charter”36. Todavia, como foi notado recentemente por um autor, “the application of this article deserves to the enhanced so as to allow the ICJ to play a more signiicant role in the peaceful settlement of disputes”37. Neste aspecto, não é suiciente que o Conselho insira nas suas resoluções convites genéricos aos Estados de direcionarem-se à Corte, como até então aconteceu. O Conselho deve sobretudo interrogar-se sobre a oportunidade de recomendar especíicas controvérsias à Corte. Uma recomendação em tal sentido por parte do Conselho é efetivamente destinada a criar uma notável pressão sobre as partes na controvérsia para que tomem o “caminho de Haia” para encontrar uma solução. O segundo dispositivo conectando Corte e Conselho de Segurança refere-se à execução das sentenças da CIJ. Através do 2o parágrafo do artigo 94 da Carta, ante o não cumprimento das obrigações prescritas numa sentença da Corte por uma das partes, a outra parte poderá recorrer ao Conselho de Segurança. O Conselho de Segurança, então, se julgar necessário, poderá fazer recomendações ou decidir quais medidas devem ser tomadas para efetivar o cumprimento da sentença. É de exclusiva liberalidade do Conselho de Segurança a decisão de agir em relação ao não cumprimento da sentença por uma das partes. Interessante notar que a redação do artigo 94 prescreve um direito direAerial Incident of 10 August 1999 (Pakistan v. India), Jurisdiction of the Court, Judgment, ICJ Reports 2000, p. 33, parágrafo 48. 37 KRARI-LAHYA, Chehrazad. Cooperation and competition between the International Court of Justice and the Security Council. In: GAJA, G.; GROTE STOUTENBURG, J. (Orgs.). Enhancing the Rule of Law through the International Court of Justice. Leiden/Boston: Martinus Nijhoff, 2014. p. 61. 36 333 to da outra parte na controvérsia de agir perante o Conselho, não sendo, portanto, permitido a um terceiro requerer a execução. Em teoria, um Estado terceiro poderia trazer o assunto do não cumprimento de uma sentença à atenção do Conselho ou da Assembleia Geral (artigos 34 e 35 Carta das Nações Unidas), mas somente se esta questão pudesse causar uma fricção entre as partes ou, de maneira mais intensa, uma ameaça à paz ou segurança internacionais. O artigo 94 (2) constitui-se, portanto, uma maneira autônoma de ativação do Conselho de Segurança em virtude de uma ameaça à paz e seguranças internacionais com base no não cumprimento de uma sentença da Corte38. O único caso em que o artigo 94 (2) foi acionado refere-se ao caso Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua, entre Estados Unidos e Nicarágua. Ignorando a disposição da Carta que prevê que um membro do Conselho de Segurança deve abster-se de votar numa controvérsia em que é parte (artigo 27 (3) da Carta), os Estados Unidos vetou a proposta de resolução que requeria o cumprimento da sentença39. Uma intervenção do Conselho de Segurança em casos de não execução de uma sentença contribui evidentemente a tornar mais efetiva a ação da Corte. É desejável, portanto, que este poder venha realmente exercitado. De resto, por mais que sejam raros, não faltam casos de não execução também na práxis mais recente. A exigência de reforçar a cooperação entre o Conselho de Segurança e a Corte foi também recentemente reairmada por um ex Presidente da Corte, Hisashi Owada. Em discurso emitido em 2011 perante o Conselho de Segurança, ele observa que: OELLERS-FRAHM, K. Article 94. In: ZIMMERMANN, A.; TOMUSCHAT, C.; OELLERS-FRAHM (Orgs.). Op. cit., p.196. 39 S/PV.2718, 28 de Outubro de 1986, p. 51 (UN Doc. S/18428). 38 334 Notwithstanding the difference in the actions taken by the two organs due to the different functions to be played by them respectively, the case demonstrates the importance of maintaining an organic link of co-ordination and co-operation between us the two principal organs of the United Nations, working in the ield of preservation of peace and stability. A greater understanding by the Security Council of the potential of the International Court of Justice and a greater degree of such organic cooperation in this ield, including an effective use of Article 36, paragraph 3 and Article 94, paragraph 2, of the Charter will, in my humble submission, prove to be extremely useful. This would contribute greatly in enabling the Court to carry out its effective judicial resolution of the disputes in international relations40. Uma maior cooperação entre estes dois órgãos pode servir a evitar o risco de que, em relação a uma mesma situação, cada órgão chegue a conclusões distintas quanto à conduta que os Estados interessados devam adotar. Tal eventualidade não pode ser excluída: pense-se no caso de uma controvérsia em relação à qual a Corte, através da adoção de medidas cautelares, impõe às partes a obrigação de adotar certa conduta que não é completamente compatível com a conduta imposta pelo Conselho com base em uma decisão adotada com força no Capítulo VII da Carta. Na práxis recente da Corte não faltam exemplos de situações nas quais a Corte foi chamada a indicar medidas cautelares para prevenir o agravamento de uma controvérsia que tinha sido submetida contemporaneamente à atenção do Conselho de Segurança41. Propriamente para aumentar Discurso feito ao Conselho de Segurança pelo Presidente da Corte Internacional de Justiça, S.E. Hisashi Owada, 25 de Outubro de 2011. 41 Para um exame desta práxis, cf. GAJA, G., Preventing conlicts between the court's orders on provisional measures and Security Council resolutions, in GAJA, G.; GROTE STOUTENBURG, J., (Orgs.). Op. cit., p. 89-91. 40 335 a cooperação a im de evitar situações deste tipo, algumas propostas foram avançadas, como a de concluir um acordo entre os dois órgãos com a inalidade de “provide for an opportunity for each organ to suggest the measures adopted by the other organ be reconsidered in the light of its observations” ou de modiicar o regulamento da Corte de maneira a permitir o Conselho de Segurança de requerer uma mudança de medidas cautelares adotadas previamente pela Corte42. Por im, ocorre assinalar o substancial desinteresse do Conselho de Segurança em relação à possibilidade de requisitar uma Opinião consultiva da Corte. Nos setenta anos da ONU somente uma Opinião – a de 1971 relativa à situação na Namíbia43 – foi emitida em resposta a uma solicitação do Conselho. Também neste terreno um maior envolvimento da Corte na ação do Conselho poderia contribuir a aumentar a legitimação de um órgão que muito frequentemente é percebido como um instrumento nas mãos desta ou daquela potência. 4. A Corte como o “principal” órgão judiciário O artigo 92 da Carta deine a Corte como o órgão judiciário “principal”. A Carta não prevê outros, mas não exclui que novos órgãos judiciários possam ser instituídos. Com efeito, isto é exatamente o que ocorreu. Já em 1949, a Assembleia Geral instituía o Tribunal Administrativo da ONU para resolver as controvérsias entre a Organização e os seus funcionários. Em 1993 o Conselho de Segurança, mediante uma resolução adotada com fundamento no CaIbid, p. 92. Legal Consequences for States of the Continued Presence of South Africa in Namibia (South West Africa) notwithstanding Security Council Resolution 276 (1970), Advisory Opinion, I.C.J. Reports 1971, p.16-66. 42 43 336 pítulo VII da Carta, instituiu o Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia (TPIExI)44. Do mesmo modo, no ano seguinte o Conselho instituiu o Tribunal Penal Internacional para Ruanda45. Ao longo do tempo, o Conselho promoveu também a criação de outros tribunais penais, os assim chamados tribunais híbridos. O mais recente deles é o Tribunal Especial para o Líbano, criado em 2009. O processo de progressiva ampliação do número de tribunais internacionais não toca somente o espaço jurídico da ONU. A partir da primeira metade dos anos noventa assistiu-se a um processo de progressiva “jurisdicionalização” da sociedade internacional através da criação de numerosos tribunais internacionais46. Tratam-se de tribunais competentes a resolver controvérsias entre Estados ou entre Estados e indivíduos em diversas áreas, do direito do mar aos direitos humanos, do comércio internacional aos investimentos. No que tange a estes tribunais, um traço distintivo da Corte continua a ser representado no fato que a sua autoridade não é baseada em sua competência de solucionar disputas em uma área particular do Direito Cf. Resolução 827 (1993). Cf. Resolução 955 (1994). 46 Para exempliicar, pode-se citar: Corte Europeia de Justiça em 1988; Órgão de Solução de Controvérsias da OMC em 1994; Tribunal de Justiça Andino de 1996; Corte Europeia de Direitos Humanos em 1998; Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2001; Órgão de Solução de Controvérsias do Mercosul em 2002. Isto sem desconsiderar as Cortes Internacionais Criminais, com especial atenção à Corte Penal Internacional de 2002. Para uma análise das jurisdições internacionais permanentes, cf. ROMANO, Cesare P. R. A Taxonomy of International Rule of Law Institutions. Journal of International Dispute Settlement, v 2, p. 241–77, 2011 e ROMANO, C.; ALTER, K.; SHANY, Y. (Orgs.). The Oxford University Press Handbook of International Adjudication. Oxford: Oxford University Press, 2014. 44 45 337 Internacional. A CIJ é um tribunal internacional dotada de uma competência “geral” para solucionar quaisquer tipos de disputas jurídicas. A CIJ deduz sua autoridade não de sua expertise setorial num determinado campo do Direito Internacional, mas sim de sua competência geral. Muito se discutiu nos últimos anos sobre qual possa ser o impacto no papel da Corte em relação a este fenômeno, que alguns deiniram, como um termo vagamente negativo, de “proliferação” de tribunais internacionais47. Alguns sustentaram que esta proliferação teria produzido uma redução do número de casos submetidos à Corte. Trata-se todavia de uma tese difícil de ser partilhada. Em primeiro lugar, alguns destes tribunais se ocupam de controvérsias que são excluídas da competência da Corte – como, por exemplo, as controvérsias que opõem um indivíduo a um Estado. De forma mais geral, pode-se contrariamente sustentar que este processo de progressivo aumento do número de tribunais possa favorecer um maior uso da Corte. Como apontado por um ex-Presidente da Corte, Stephen Schwebel, Sobre o fenômeno da multiplicação e suas consequências no sistema judiciário internacional , cf. ABI-SAAB, G. La métamorphose de la fonction juridictionnelle internationale. In: ALLAND, D. et al. (Orgs.). Unité et diversité du droit international: Ecrits en l’honneur du professeur Pierre-Marie Dupuy. Leiden: Martinus Nijhoff, 2014, p.377-398. Sobre os possíveis problemas decorrentes deste fenômeno, cf. CHARNEY, J. I. Is international law threatened by multiple international tribunals?. Recueil des Cours de l' Académie de la Haye, 271, 1998, p. 101-382.; BEDJAOUI, M. La multiplication des tribunaux internationaux ou la bonne fortune du droit des gens. SOCIÉTÉ FRANÇAISE POUR LE DROIT INTERNATIONAL. Colloque de Lille - La juridictionnalisation du droit international. Paris: Pedone, 2003. p. 529-545 e HIGGINS, R. A Babel of Judicial Voices? Ruminations from the Bench. International and Comparative Law Quarterly, v. 55, n. 4, 2006, p. 791-804. 47 338 a greater range of international legal fora is likely to mean that more disputes are submitted to international judicial settlement. The more international adjudication there is, the more there is likely to be; the “judicial habit” may stimulate healthy imitation48. Uma proliferação de tribunais internacionais em ausência de um mecanismo de coordenação aumenta sem dúvida o risco de interpretações divergentes do direito. Neste sentido, ao fenômeno da proliferação é por muitos associado àquele da fragmentação do Direito Internacional. Na sociedade internacional contemporânea, este risco é em grande parte atenuado pelo fato que muitos tribunais tendem a atribuir autoridade à jurisprudência da Corte, alinhando-se em geral às interpretações do direito pela Corte propostas. Trata-se de uma espécie de espontâneo reconhecimento do papel de órgão judiciário “principal” desempenhado pela Corte, reconhecimento que advém também de tribunais que operam fora do sistema da ONU49. Todavia, não sempre os tribunais internacionais seguem a jurisprudência da Corte. Neste sentido, o contraste jurisprudencial mais célebre é a contraposição das posições da CIJ com o TPIExI em relação ao grau de controle necessário para poder atribuir a um Estado a conduta de grupos armados de indivíduos que são ligados a um Estado por uma relação de fato. É amplamente notório que em 1999 o TPIExI 48 Address to the Plenary session of the General Assembly of the United Nations by Judge Stephen M. Schwebel President of the International Court of Justice, 26 October 1999. 49 Para a importância atribuída à jurisprudência da Corte pelos tribunais ICSID, cf. PELLET, A. La jurisprudence de la Cour internationale de Justice dans les sentences CIRDI – Lalive Lecture, 5 juin 2013. Journal du Droit International, 1, jan. 2014. p. 5-32. 339 contestou a correspondência no Direito Internacional geral do critério de “controle efetivo” utilizado pela Corte na sentença de 1986 no caso das Atividades Militares e Paramilitares dos Estados Unidos na Nicaragua50. A este critério o TPIExI havia contraposto o critério do “controle global”51 presente no caso Tadí. A questão reapresentou-se sucessivamente perante a Corte, a qual não deixou de criticar o critério elaborado pelo TPIExI sustentando que este não correspondia ao Direito Internacional geral52. O contraste jurisprudencial entre CIJ e TPIExI deu vida a um intenso debate, também no interior da Corte, sobre os riscos derivantes do fenômeno da proliferação e sobre os mecanismos para evitar tais conlitos. Uma proposta foi formulada a este respeito pelo Presidente Schwebel, na opinião do qual: In order to minimize such possibility as may occur of signiicant conlicting interpretations of international law, there might be virtue in enabling other international tribunals to request advisory opinions of the International Court of Justice on issues of international law that arise in cases before those tribunals that are of importance to the unity of international law53. 50 Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua (Nicaragua v. United States of America), Merits, Judgment, ICJ. Reports 1986, p. 64, parágrafos 105–115 51 INTERNATIONAL CRIMINAL TRIBUNAL FOR THE FORMER YUGOSLAV. Appeals Chamber, Tadí, 15 July 1999 (Case no. IT-94-1-A). 52 Case Concerning the Application of the Convention on the Prevention and Punishment of the Crime of Genocide (Bosnia and Herzegovina v. Serbia and Montenegro), ICJ Reports 2007, p. 206. Sobre esta questão, cf. CASSESE, A. The Nicaragua and Tadí Tests Revisited in Light of the ICJ Judgment on Genocide in Bosnia. European Journal of International Law, v. 18, 2007, p. 649 ss. 53 Discurso endereçado à Sessão Plenária da Assembleia Geral da ONU pelo juiz Stephen M. Schwebel, Presidente da Corte Internacional de Justiça, 26 de Outubro de 1999. 340 Na última década, contudo, o temor derivante da contestação da autoridade da Corte em razão da proliferação dos tribunais redimensionou-se notavelmente. É signiicativa nesse sentido a tomada de posição de outra Presidente da Corte, Rosalyn Higgins, em um discurso de 2006: This growth in the number of new courts and tribunals has generated a certain concern about the potential for a lack of consistency in the enunciation of legal norms and the attendant risk of fragmentation. Yet these concerns have not proved signiicant. The general picture has been one of these courts seeing the necessity of locating themselves within the embrace of general international law. The authoritative nature of ICJ judgments is widely acknowledged. It has been gratifying for the International Court to see that these newer courts and tribunals have regularly referred, often in a manner essential to their legal reasoning, to judgments of the ICJ with respect to questions of international law and procedure54. Uma das consequências mais interessantes que esta proliferação produziu na abordagem da Corte é que, a partir substancialmente de 2004, cada vez mais frequentemente a Corte tende a fazer referência à jurisprudência de outros tribunais em seus próprios pronunciamentos. A Corte aparece hoje aberta ao diálogo com outras jurisdições. A novidade possui certo relevo. No passado a Corte raramente invocava o posicionamento de outros tribunais. Em um discurso feito em 2000, o então Presidente da Corte, Gilbert Guillaume, indicava que, levando em consideração tanto da Corte Permanente quanto da atual Corte, se Discurso endereçado à Sessão Plenária da Assembleia Geral da ONU pela juiza Rosalyn Higgins, Presidente da Corte Internacional de Justiça, 26 de Outubro de 2006. 54 341 podia contar no máximo 15 casos55. Hoje, porém, a Corte invoca frequentemente os pronunciamentos de outros tribunais internacionais seja com a inalidade de veriicar a existência de certos fatos (como no caso do uso pela Corte da jurisprudência do TPIExI nas controvérsias entre Bósnia e Sérvia e entre Croácia e Sérvia), seja para conirmar a interpretação de um certo tratado, seja para conirmar a existência de um princípio geral. Certamente, esta mudança de abordagem pode ser explicada pelo desejo da Corte de se mostrar aberta ao diálogo com outras jurisdições. Pode-se por outro lado notar que quando ela faz referência a decisões de outras jurisdições, a Corte se preocupa frequentemente em justiicar esta referência. A Corte nos explica, portanto, qual é o valor que ela atribui às decisões emitidas por certa jurisdição. Ela nos explica qual o motivo pelo qual ela atribui importância à jurisprudência de um tribunal ou a razão pela qual as decisões emanadas por um tribunal sobre certa questão de direito não merecem a mesma atenção que outras decisões emanadas por outro tribunal. Agindo desta forma, a Corte chega substancialmente a estabelecer verdadeiros critérios para a avaliação da autoridade das decisões emanadas por outras jurisdições. Dois exemplos podem ser mencionados. Na sentença de mérito do caso Diallo a Corte se pronunciou sobre o valor a ser atribuído à prática do Comitê de Direitos Humanos a im de interpretação do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. A Corte observou que: Discurso endereçado à Sessão Plenária da Assembleia Geral da ONU pelo juiz Stephen Gilbert Guillaume, Presidente da Corte Internacional de Justiça, 26 de Outubro de 2000. 55 342 Although the Court is in no way obliged, in the exercise of its judicial functions, to model its own interpretation of the Covenant on that of the Committee, it believes that it should ascribe great weight to the interpretation adopted by this independent body that was established speciically to supervise the application of that treaty56. Esta indicação é particularmente interessante porque ela é suscetível de ser aplicada de maneira geral na avaliação da autoridade a ser atribuída à decisões de todos os órgãos quase-jurisdicionais deste tipo. O segundo exemplo se extrai da sentença da Corte de 2007 no caso Genocídio Bósnio. Como é notório, a Corte, por um lado, atribuiu the utmost importance to the factual and legal indings made by the ICTY in ruling on the criminal liability of the accused before it and, in the present case, the Court takes fullest account of the ICTY’s trial and appellate judgments dealing with the events underlying the dispute. Por outro lado, ela observou que the situation is not the same for positions adopted by the ICTY on issues of general international law which do not lie within the speciic purview of its jurisdiction and, moreover, the resolution of which is not always necessary for deciding the criminal cases before it57. 56 Ahmadou Sadio Diallo (Republic of Guinea v. Democratic Republic of the Congo), Judgment 30 November 2010, ICJ Reports 2010, p. 639, parágrafo 66. 57 Case Concerning the Application of the Convention on the Prevention and Punishment of the Crime of Genocide (Bosnia and Herzegovina v. Serbia and Montenegro), ICJ Reports 2007, p. 206, parágrafo 403. Sobre esta decisão, cf. CANNIZZARO, E. Interconnecting International Jurisdictions: A Contribution from the Genocide Decision of the ICJ (Bosnia Erzegovina c. Serbia e Montenegro). European Journal of Legal Studies, v. 1, 1, 2007, p. 1-21. 343 Aqui a Corte estabeleceu um critério geral que se relaciona à identiicação do “speciic purview of its jurisdiction” de cada tribunal. No caso em espécie, a Corte utilizou este critério para justiicar sua negativa de aplicar a regra do controle global em matéria de atribuição do fato ilícito, utilizado pelo TPIExI no caso Tadí. A impressão que se extrai desta jurisprudência da Corte é que a Corte não está somente interessada em estabelecer um diálogo com outras jurisdições internacionais. Ela está interessada em ixar as regras deste diálogo58. A Corte não se limita a fazer referência a decisões emanadas por outras jurisdições. Ela se preocupa em precisar qual é a autoridade das decisões emitidas por outras jurisdições em relação à diferentes questões do Direito Internacional. Em outras palavras, o posicionamento da Corte permanece aquele de um juiz aberto ao diálogo. Ao mesmo tempo, a Corte parece preocupada em querer garantir o próprio papel de órgão judiciário principal da ONU e põe limites à possibilidade de levar em consideração a jurisprudência de outros tribunais. Conclusão Em seus pouco mais de 70 anos de existência, a CIJ desempenhou importante papel na comunidade internacional na qualidade de principal órgão judiciário da ONU. Ao longo deste arco temporal a Corte se pronunciou soCf. TAMS, C. J. The World Court's role in the international lawmaking process. In: DELBRÜCK, J., HEINZ, U., ODENDAHL, K., MATZ-LÜCK, N. and VON ARNAULD, A. (Eds.). Aus Kiel in die Welt: Kiel's Contribution to International Law. Essays in Honour of the 100th Anniversary of the Walther Schücking Institute for International Law. Berlim: Duncker und Humblot, 2014. p. 139-163. 58 344 bre mais de uma centena de controvérsias entre Estados e emitiu importantes opiniões consultivas esclarecendo não apenas o direito da Organização, mas igualmente o Direito Internacional geral. Permanece, portanto, ainda verdade o que escrevia o professor Abi-Saab na ocasião do aniversário de 50 anos da Corte: a Corte exerceu uma função signiicativa na “governança mundial”59, especialmente em sua função de solução pacíica de controvérsias, realizando, desta maneira, um dos principais objetivos da ONU que é a “manutenção da paz e segurança internacionais”. A função mais signiicativa que a Corte desempenha todavia, como já mencionado, não é tanto a solução de controvérsias – em respeito à qual permanece a resistência dos Estados de submeter-se ao juízo da Corte – mas sim na identiicação do Direito Internacional. A autoridade da Corte na identiicação e na interpretação das regras que disciplinam as relações internacionais permitiu a ela de contribuir de modo relevante à airmação da rule of law nas relações internacionais. Obviamente, a justiça administrada pela Corte encontra ainda hoje um limite no fato que a Corte é chamada a resolver somente um tipo de controvérsias: as controvérsias entre Estados. A importância atribuída à dimensão interestatal na atividade da Corte pode talvez hoje parecer anacrônica. De resto, ela é consequência de uma escolha que foi tomada há quase cem anos e relete o caráter próprio do Direito Internacional de uma época. Se for verdade que o Direito Internacional volta-se cada vez mais aos indivíduos, ABI-SAAB, G. The International Court as a world court. In: LOWE, V.; FITZMAURICE, M. (Orgs.). Fifty Years of the International Court of Justice. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. p. 14. 59 345 o acesso de indivíduos à justiça passa hoje por canais diversos daqueles representados pelo órgão judiciário principal da ONU. Este acesso acontece sobretudo através dos tribunais internacionais ou órgãos quase jurisdicionais em matéria de direitos humanos ou através das ações fundamentais de tribunais internos. Isto não signiica, porém, que a Corte não possua um papel importante em fazer avançar a tutela da pessoa humana no plano do Direito Internacional. Nas palavras do juiz Antônio Augusto Cançado Trindade Even if the mechanism of dispute-settlement by the ICJ remains strictly or exclusively interState, the substance of those disputes or issues brought before the Court pertains also to the human person […]. The truth is that the strictly inter-State outlook has an ideological content, is a product of its time, a time long past. In these more recent decisions (1999-2013), the ICJ has at times rightly endeavored to overcome that outlook, so as to face the new challenges of our times, brought before it in the contentious cases and requests of advisory opinions it has been seized of60. É provável que esta dimensão ligada à tutela dos direitos da pessoa humana terá um espaço sempre mais amplo nas futuras controvérsias e pedidos de opinião consultiva levados à Corte. Este fato talvez devesse encorajar, mesmo nos restritos limites permitidos pelo Estatuto, uma adequação do procedimento para permitir que os indivíduos possam encontrar um modo de fazer ouvir suas próprias vozes pela Corte. CANÇADO TRINDADE, A. A., Relections on a Century of International Justice and Prospects for the Future, in GAJA, G.; GROTE STOUTENBURG, J. Op. cit., p. 10. 60 346 Referências ABI-SAAB, G. La métamorphose de la fonction juridictionnelle internationale. In: ALLAND, D. et al (Orgs.). 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