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#ExposedFortal: Alunas da rede pública denunciam assédio por parte de professores
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#ExposedFortal: Alunas da rede pública denunciam assédio por parte de professores

Em relatos compartilhados, alguns docentes são acusados de importunar pelas redes sociais, mensagens privadas e investidas com teor sexual
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Print de mensagens enviadas por professores para alunas de escolas da rede pública (Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Print de mensagens enviadas por professores para alunas de escolas da rede pública

“A gente tinha um professor que costumava fazer muita amizade com as meninas. Ficava abraçando, beijando a cabeça, o rosto etc. Ele gostava de comentar nossas fotos e mandar mensagens pelo direct (no Instagram)”, conta a estudante de um colégio estadual. “Teve várias vezes dele responder meus stories e fotos, mas, na última vez, não respondi porque já estava achando muito estranho e ficando desconfortável com a situação.” A insistência no contato continuou e a jovem o bloqueou na rede social. Depois disso, o docente buscou outras formas de falar com a garota. “Mandou mensagem atrás do meu número até com uma colega de turma que tinha estudado comigo no 1° ano. Fiquei com muito medo, ele tava louco atrás de mim. Enchendo minhas amigas de mensagens.”

O relato é um dos tantos que têm surgido nas redes sociais e fora delas. Desde a última semana a hashtag #exposedfortal vem tomando grandes proporções. Com denúncias de assédio e importunação sexual por parte de alunos e professores, até então, divulgadas apenas por alunas de colégios particulares de Fortaleza, o movimento se amplia para as escolas da rede estadual de ensino.

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“Era um misto entre medo e desconforto, parecia que qualquer hora ele ia mandar mensagem por outra pessoa”, relata a estudante que tinha 17 anos. Com o movimento online, ela uma mistura de sentimentos voltou. “Fiquei triste pra ter tido mais situações iguais ou piores que a minha e com várias outras garotas. Mas também me deu forças pra não me calar e expor”, afirma.

Outra aluna do mesmo colégio e também com 17 anos conta que passou por três situações de assédio no ambiente escolar, cada uma com um professor diferente. “No primeiro caso, fui pedir ajuda ao professor sobre uma atividade e ele se ajoelhou ao meu lado. Estava sentada e ele passou a mão pela minha coxa”, lembra. “Outro foi um professor que falou no meio da aula de filosofia que as mulheres serviam apenas para trazer prazer aos homens. E outro ficou tentando me dar um abraço e beijo mesmo eu falando que não permitia que tocasse em mim.”

Ela explica que pensa em abrir um boletim de ocorrência, mas sente medo. “Não tenho provas concretas, só a minha palavra e de algumas amigas que presenciaram”, expõe. “Um desses professores já sofreu processo em relação a isso, porém conseguiu se livrar”, queixa. Em respeito ao que estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), O POVO não divulga nomes das menores de idades nem dos denunciados. O nome das instituições também não é divulgado porque não há denúncias diretamente contra elas e para preservar a identidade das estudantes.

Uma terceira aluna entrevistada pelo O POVO comenta que essa não é a primeira vez que estudantes relatos de casos de importunação e assédio chegam ao conhecimento da coordenação escolar. “Infelizmente, desde que entrei, as meninas sempre me diziam para tomar cuidado com certos professores e, às vezes, nos reuníamos para falar dos assédios cometidos por eles”, relata. “Acontecia a cada bimestre um conselho de classe, em que levávamos as nossas queixas, mas sempre ouvíamos a mesma frase: ‘o professor é concursado, não podemos fazer nada sobre isto’.”

Ela afirma ainda que estudantes de outros colégios estaduais passam por situações similares. “Mas, até o momento, não vi um pronunciamento - tanto dos alunos, quanto da escola”, lamenta. “Entendo que muitas vezes as alunas não denunciam por não obterem apoio da escola. Nunca temos medidas interventivas eficazes, geralmente ficamos só no diálogo.”

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Consultada, a coordenação de um dos colégios informou que tem acompanhado o movimento.“Estamos promovendo encontros e discussões com as gremistas, demais estudantes, professoras(es) e órgãos e instituições legais para darmos todo suporte possível às vítimas e às famílias; para conseguirmos encaminhar as denúncias de maneira justa e legal junto com as autoridades responsáveis”, afirma a coordenadora.

As denúncias em redes sociais já levaram à demissão de pelo menos 11 professores, coordenadores e estagiários de escolas particulares. Além destes, pelos menos outros dois foram afastados temporariamente. No serviço público, afastamentos e remoções são de competência da Unidade Mantenedora; no caso, a Secretaria da Educação (Seduc).

A pasta afirmou, em nota, que está ciente dos casos e adotará as “providências necessárias para que os fatos sejam apurados dentro da legalidade, seguindo os princípios da responsabilidade e da ética”. A Secretaria garante que está à disposição para prestar as informações solicitadas aos órgãos responsáveis pelas investigações e que prestará assistência aos alunos e familiares.

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De acordo com a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), a Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca), recebeu denúncias de oito vítimas sobre crimes sexuais envolvendo casos divulgados com a hashtag #exposedfortal. As diligências estão divididas por compartilhamento de material pornográfico sem o consentimento das vítimas e os relatos de crimes envolvendo professores. A SSPDS enfatiza a importância de abrir boletins de ocorrência pois alguns casos só podem ser continuados se houver o registro. Os boletins podem ser registrados no site www.delegaciaeletronica.ce.gov.br/beo/.

Esta semana, deverá ser votado na Assembleia Legislativa do Ceará o projeto de lei nº 431/19, que propõe a criação, nas escolas públicas e privadas, de comissões de proteção e prevenção à violência contra a criança e o adolescente. O texto expande a lei estadual nº 13.230, que versa sobre comissões para atendimento, notificação e prevenção à violência doméstica nos colégios. Pela proposta, que tramita desde agosto do ano passado, as comissões deverão desenvolver planos de prevenção às diversas expressões de violência no ambiente escolar; notificar e tomar as medidas cabíveis, tanto do ponto de vista educacional quanto legal; implantar protocolo único de registro; e notificar os casos de suspeita de violência ao Conselho Tutelar. (Colaborou Adriely Viana)

Hashtag

O uso de uma palavra antecedida pelo símbolo # nas redes sociais funciona como um agrupador de conteúdo. Na última terça-feira, 23, a tag #exposedfortaleza ou #exposedfortal trouxe a tona uma série de assédios contra adolescentes da Capital, cometidos por colegas ou por professores. Foram mais de 50 mil tweets, diversas denúncias e um assunto que se tornou um dos mais comentados do Twitter no Brasil.

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