Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu jornalismo

Sleeping Giants é formado por casal de 22 anos do interior do Paraná

Grupo calcula ter retirado R$ 1,5 milhão em anúncios de sites de fake news

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Mayara Stelle e Leonardo de Carvalho Leal, fundadores do Sleeping Giants Brasil Eduardo Anizelli/Folhapress

Aberto há sete meses, o perfil Sleeping Giants Brasil (SGB) tem causado um tsunami em sites da extrema direita ao forçar uma debandada de empresas anunciantes. A situação ocorre quando o SGB publica, em seu Twitter ou em seu Instagram, um alerta para uma determinada empresa, informando que ela está anunciando em sites de fake news.

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Seja por discordarem do conteúdo, seja pelo constrangimento público criado, as empresas retiram seus anúncios, desmonetizando os sites. Até este domingo (13), o grupo operava de forma anônima, sob a justificativa de que recebem ameaças de morte diárias. Resolveram, no entanto, revelar sua identidade nesta entrevista.

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O grupo foi fundado por apenas duas pessoas, um casal de 22 anos de Ponta Grossa, no interior do Paraná. Leonardo de Carvalho Leal e Mayara Stelle moram com os pais e são namorados desde os 15 anos. Ele era motorista de Uber até que teve o carro batido no início do ano. Ela era vendedora de maquiagens até que a epidemia da Covid-19 fechou os salões de beleza em Ponta Grossa.

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Estudantes de direito do sétimo período de uma faculdade estadual da cidade, ambos vivem hoje do auxílio emergencial que o governo concede a milhões de brasileiros. Dizem que não há ninguém por trás deles e que não recebem nada pelo trabalho.

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O Rede Liberdade, grupo de advogados e jornalistas que atua em casos de violação de direitos e liberdade de expressão, apoia os dois prestando assessoria jurídica e de comunicação sem cobrar nada.

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O Sleeping Giants nasceu nos Estados Unidos, desmonetizando o site de extrema direita de Steve Bannon, chefe da campanha vitoriosa de Donald Trump em 2016.

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Lendo sobre o assunto para o trabalho de conclusão de curso da faculdade, Leonardo e Mayara resolveram abrir o Sleeping Giants Brasil numa manhã de maio de 2020. Horas depois já tinham 20 mil seguidores e foram oficializados como representantes brasileiros dos Sleeping Giants pelo criador do perfil americano, Matt Rivitz.

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O primeiro alvo do grupo, o Jornal da Cidade Online, sofreu a retirada de anúncios de 250 empresas, cada uma exposta publicamente pelo SGB por anunciar ali.

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Até hoje, eles calculam ter retirado de três sites de notícias e dois canais o equivalente a R$ 1,5 milhão. Segundo eles, 700 empresas já seguiram seus alertas e retiraram os anúncios de sites duvidosos. O SGB tem 410 mil seguidores no Twitter e 170 mil no Instagram.

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Mayara Stelle e Leonardo de Carvalho Leal, fundadores do Sleeping Giants Brasil - Eduardo Anizelli/Folhapress

O Jornal da Cidade Online entrou com ação, que foi atendida, pedindo que o Twitter revele seus dados. É por isso que vocês resolveram sair do anonimato?

Leal: Não iam entregar nossos dados agora, eles iriam ficar em sigilo de Justiça. Mas a gente acredita que é o momento de mostrar o rosto para nossos seguidores, antes que um site de fake news descubra quem a gente é. Esperamos que se identifiquem com a gente, tanto as empresas que responderam quanto os seguidores que apoiaram.

Stelle: Vir a público está sendo uma questão. Ainda não é um consenso entre nós e nossas famílias. Muita gente tem essa curiosidade de saber quem está por trás do perfil, porque acham que são pessoas superpreparadas, que temos um grande mecanismo por trás. E somos nós dois, duas pessoas comuns. Temos alguns colaboradores, alguns seguidores que se oferecem para fazer design ou imagens para nossas postagens.

Matt Rivitz ajuda vocês de alguma forma?

Stelle: Quando ele entrou em contato conosco, quis saber mais sobre o que a gente queria fazer no Brasil antes de autorizar esse trabalho. Ele deu algumas dicas, como “use o VPN, não se mostre para as pessoas, tente permanecer no anonimato”. Foram essas coisas básicas. A gente não tem mais contato com ele, mesmo porque nenhum de nós fala inglês.

Qualquer um pode criar o perfil Sleeping Giants 2, por exemplo?

Leal: Sim, a gente fez desse jeito. Criamos a conta com esse nome e estamos aqui até hoje. Ainda é difícil para a gente, porque nunca trabalhamos com internet. A Mayara nem usava Twitter. Estamos nos acostumando com tudo isso ainda. A gente não se vê como ativista.

Como vocês se veem?

Leal: O Sleeping surgiu no meio de um estudo para um TCC sobre fake news. Ele apareceu como uma resposta. Pois todo mundo sabe qual é o problema, é o discurso de ódio, que domina o debate na internet, mas ninguém sabe qual é a resposta para isso. Quando a gente leu uma matéria do El País, pensou: “Putz, essa é uma resposta muito boa, muito fácil”. E todo mundo comprou muito rápido, mas nunca tivemos treinamento, nunca fizemos nada parecido.

O Matt falou para gente duas coisas principais: uma delas é nunca falar sobre política. O Sleeping não é um movimento de política, é um movimento de consumidores. Esse é um dos nossos valores. E a outra é a questão do anonimato e da segurança. Quando revelaram a identidade dele nos Estados Unidos, hackeando não se sabe como, colocaram o endereço em todos os sites de fake news e ele recebeu ameaças de morte sem parar, contra ele, a mulher, o filho de 15 anos, até para a sinagoga dele chegou ameaça.

Como estão se preparando para sair do anonimato?

Stelle: Tivemos que nos distanciar das famílias para mantê-los seguros. Minha família é muito distante da internet, são pessoas mais velhas, é difícil até explicar o que nós estamos fazendo. Então optamos por sair do anonimato longe deles. Neste momento estamos na casa de um amigo, em São Paulo.

Já sofreram muitas ameaças?

Leal: É bizarro porque se espera muito de nós, de uma estrutura, que ajudaria a nos preparar quanto a isso. A partir do momento que o Sleeping está tirando dinheiro dessas milícias digitais, que utilizam isso como uma forma de trabalho remunerado, a gente acaba virando alvo. Há sete meses, um motorista de Uber e uma vendedora de maquiagens começaram a receber ameaças de morte e agora têm que sair de casa para se revelar, têm que ter uma conversa super difícil com as famílias, dizer que você criou um perfil no Twitter, que muitas pessoas apoiam, que tem 700 empresas respaldando, e mesmo assim... A gente está arriscando a nossa vida dando essa entrevista, está arriscando a vida por conta do projeto e também está arriscando nossas famílias por conta disso.

Stelle: Já vimos pessoas oferecendo dinheiro pela nossa cabeça. As pessoas escrevem nos nossos perfis “Se matem”. Até esse momento, nenhuma ameaça foi levada à polícia, mas a partir dessa saída de anonimato, a gente pretende, sim, responsabilizar todo mundo que ameaçou.

Como estudantes de direito, o que dizem de a Constituição Federal assegurar a liberdade de manifestação do pensamento, mas vedar o anonimato?

Leal: O Sleeping foi criado às 5h de uma segunda-feira, num laptop sem bateria e, sete meses depois, a gente desmonetizou mais de R$ 1,5 milhão. Diferente de jornalistas, que estão acostumados a colocar a cara, nós não temos estrutura. A gente só está começando, temos 22 anos.

Como vocês definem os sites que vão desmonetizar?

Stelle: A gente olha, primeiramente, pelo alcance. O Jornal da Cidade Online, que foi o primeiro escolhido para desmonetização, foi também porque tinha grande histórico de notícias desmentidas em relação à pandemia. Acreditamos que a desinformação em relação à pandemia seja umas das principais fake news a ser desmentidas nesse momento. Quanto aos outros, fizemos uma pesquisa bem aprofundada, o número de processos judiciais, o número de notícias desmentidas pela grande imprensa.

Vale dizer que a gente não está aqui para cancelar. O SG não promove a cultura do cancelamento, o SG não promove a censura. Estamos aqui para alertar a empresa. A decisão de manter um anúncio ou retirar, e de banir um usuário por violação dos termos de uso ou não banir, pertence à empresa. Nós só avisamos.

Leal: E as empresas geralmente agradecem. Quando você joga um anúncio numa plataforma de mídia programática [Facebook ou Google, por exemplo, que vão distribuir aqueles anúncios de acordo com o perfil dos usuários], você acaba anunciando em 2.000, 3.000 sites. Então, não tem como a empresa controlar isso. A gente alerta a empresa e ela tem a liberdade de querer ou não aparecer nesse site. Elas gastam tanto dinheiro, constroem uma marca, que carrega os valores dessa empresa, e que muitas vezes não condizem com o site.

Quem desmonetizaram até agora?

Leal: Até aqui, a gente só desmonetizou três sites, porque é um trabalho de formiguinha, você vai tirando uma empresa por vez. Em ordem, foram Jornal da Cidade Online, Conexão Política e Brasil Sem Medo. Além disso, a gente desmonetizou o canal do Olavo de Carvalho no YouTube e o grupo paramilitar 300 do Brasil, da Sara Winter. Só no Jornal da Cidade Online, foram 250 empresas.

Todos esses sites são de direita. Isso é uma coincidência ou vocês são de esquerda?

Stelle: A gente não olha se o site é de esquerda ou de direita. Infelizmente, sabemos que o discurso de ódio está presente em todos os espectros políticos. O que acontece é que, nesse momento, não dá para negar que a extrema direita tem um alcance de desinformação muito maior que a esquerda. Mas as fake news estão, sim, presente em sites de esquerda. Tivemos um caso agora do Porta dos Fundos, que é conhecido como um canal de esquerda, e fez um vídeo claramente misógino.

Leal: Achamos que tínhamos que alertar o Porta dos Fundos sobre o erro que eles fizeram. Assim fizemos e logo depois eles excluíram o vídeo. Então, o Sleeping não é movimento de cancelamento. A qualquer momento você pode retificar um erro, como fez o Porta dos Fundos ao excluir a esquete, que era supermachista.

Stelle: A questão é que o alcance dos sites de direita é muito grande. O Jornal da Cidade Online, por exemplo, tinha ou tem 40 milhões de acessos por mês. É um número assustador, considerando que eles propagavam desinformação sobre a pandemia.

Leal: O Jornal da Cidade Online é a página de notícias do Facebook que tem maior engajamento sobre o coronavírus. Mais do que a Globo, do que a Folha, do que o Estadão. Quanto mais acesso o site tem, mais dinheiro ele vai ganhar. Então, os dois critérios são muito objetivos: a quantidade de conteúdo fake e o alcance que esse conteúdo tem.

Mayara Stelle e Leonardo de Carvalho Leal, fundadores do Sleeping Giants Brasil - Eduardo Anizelli/Folhapress

Existe uma coisa que é mentira, tipo “detergente cura coronavírus”. Agora, como definir o discurso do ódio? Para muita gente, o que o Olavo de Carvalho diz não é um discurso de ódio. Ao contrário, ele é o único cara que fala a verdade sobre o Brasil. Então, a gente pode estar diante de uma divergência de pontos de vista. Qual é o corte para isso?

Stelle: O discurso de ódio é uma coisa subjetiva, mas ele busca reprimir ou intimidar uma pessoa sobre determinadas características inerentes a ela. Promove racismo, misoginia, machismo, xenofobia, sinofobia. É um discurso que intimida uma minoria. O Sleeping não quer calar ninguém. Somos completamente a favor da liberdade de expressão, inclusive usamos ela para alertar as empresas. O Olavo tem todo o direito de falar e de ter seu espaço para suas ideias. O Sleeping só alerta as empresas, e elas decidem se querem tirar o anúncio daquele conteúdo ou não.

Mas não acham que criam um constrangimento público para as empresas?

Leal: Não. Se estivessem constrangidas não agradeceriam publicamente o nosso alerta. As próprias empresas também são alvo de fake news. O próprio Olavo propagou uma que dizia que a Pepsi adoçava o refrigerante com fetos abortados. Quanto dinheiro a Pepsi está gastando para conseguir uma imagem, uma marca com muita história, e vem essa história “se você toma a Pepsi, você é um abortista terceirizado”.

Por isso que as empresas são nossas aliadas. A Band já foi alvo de fake news também, que dizia que ela tinha sido comprada pelo Partido Comunista chinês. A gente achou a Natura patrocinando conteúdo que era contra a própria propaganda dela. Gastaram para fazer uma propaganda de Dia das Mães, se não me engano, e estava anunciando em uma matéria machista que criticava a propaganda da Natura [por ser feminista]. A gente não constrange ninguém. A gente pergunta. As empresas têm o direito de saber para quem estão dando dinheiro.

Fazendo uma provocação, não acham que estão intimidando, por exemplo, o Olavo de Carvalho?

Leal: O Olavo de Carvalho tem um discurso que diz que a Globo ou a Folha devem ser fechadas e aí o Brasil viraria um lugar legal. Ele tem uma frase que diz que a imprensa deve ser tratada igual cachorro, a pontapés. Que estar na presença de jornalistas é estar na presença da pior espécie do mundo. Isso é um discurso de ódio, que visa quem você é, direcionado a essa minoria.

Mas ele tem o direito de achar que os jornalistas são isso aí.

Leal: Sim, mas as empresas têm o direito de não querer pagar por esse conteúdo.

Stelle: Não podemos tolerar a intolerância, digamos assim. Até onde vai o direito do Olavo de ofender as pessoas e ganhar dinheiro com isso? O SG não está promovendo nenhum ataque ao Olavo. Nós só perguntamos às empresas que estão vinculadas a ele se elas querem continuar pagando aquele conteúdo.

Vocês trabalham por meio do Twitter e do Instagram. Essas empresas são as responsáveis por destinar o dinheiro dos anúncios para o site x ou y. E elas ganham dinheiro ao fazerem essa ponte. Por que as big tech não estão entre os alvos de vocês?

Stelle: Esse debate é muito atual. Nós somos muito novos na internet e fizemos uma escolha de focar nos donos do dinheiro. Acredito que haja gente mais capacitada e experiente para iniciar esse debate nesse momento.

Vocês têm um poder imenso nas mãos hoje. Não há o risco de vocês atacarem alguém simplesmente por não gostaram dele?

Stelle: Nós não escolhemos nenhum alvo. O único alvo é a desinformação e o ódio. Se alguém publica isso, achamos completamente justo ela ser desmonetizada. Não é questão pessoal. Se a pessoa parar de escrever fake news, apagar o que já escreveu e pedir desculpas, deixa de ser uma pessoa que pode ser escolhida pelo Sleeping Giants Brasil.

O que acham de empresas brasileiras que trabalham com ditaduras que desrespeitam os direitos humanos?

Leal: Nesse momento não temos estrutura. A saída do anonimato pode abrir inúmera portas e no futuro podemos trabalhar em outras áreas, como essa.

Elogiar a ditadura militar é discurso de ódio ou liberdade de expressão?

Leal: Elogiar a ditadura é opinião, mas dizer que ela não existiu é fake news. Se tiver um site promovendo a ditadura militar, nós vamos atuar. No caso do grupo paramilitar da Sara Winter, ela iria receber R$ 80 mil por meio de um crowdfunding. Nós fomos até a empresa de crowdfunding e alertamos que a campanha dela estava em desacordo com seus termos de uso, que não admitia discurso de ódio, por exemplo. A empresa cancelou a campanha e não repassou o dinheiro.

É a mesma situação do Olavo de Carvalho em relação ao PayPal e ao PagSeguro, certo? Vocês pressionaram para essas plataformas de pagamento cancelarem as contas dele. Essas contas eram usadas para ele receber o pagamento por suas aulas online, certo?

Stelle: Sim. O PayPal cancelou a conta dele em agosto. A PagSeguro publicou nota em que dizia que era contrária à fake news e ao discurso de ódio, mas que estava impedida de realizar o bloqueio de um usuário: “Instituições de pagamentos devem garantir acesso não discriminatório aos seus serviços e liberdade de escolha dos usuários finais”.

Leal: Os termos de uso dizem que é terminantemente proibido que seus clientes usem “linguagem ou imagem ou transmitir ou propagar mensagem ou material que denotem ou promovam o preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem, ou que incitem à violência ou ao ódio”. Acreditamos que a PagSeguro está muito acima do Olavo de Carvalho e vai cancelar sua conta.​

Mayara Stelle e Leonardo de Carvalho Leal, fundadores do Sleeping Giants Brasil - Eduardo Anizelli/Folhapress

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Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do publicado, Leonardo de Carvalho Leal e Mayara Stelle são alunos da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa), não de uma faculdade federal. O texto foi corrigido.

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