RIO - O presidente Jair Bolsonaro publicou neste domingo, em suas redes sociais, um vídeo de uma aluna que confronta uma professora de gramática, alegando que a educadora gastou 25 minutos da aula para falar sobre política, com críticas ao governo e ao ideólogo de direita Olavo de Carvalho.
"Professor tem que ensinar e não doutrinar", escreveu o presidente ao compartilhar o vídeo de um minuto e 54 segundos.
No vídeo, a aluna questiona a professora, que afirma que Olavo de Carvalho é uma anta porque "mete o pau em tudo". Carvalho tem sido uma figura influente no governo, sendo ouvido em decisões da atual gestão.
A estudante, então, começa a questionar o tempo que a professora teria gasto para falar de política.
— Você não percebeu que pegou 25 minutos da aula para expor sua opinião político-partidária? — diz a estudante.
— Não foi político-partidária — contesta a educadora.
— Foi sim, a senhora criticou o Escola sem Partido, o governo, e não estou pagando cursinho para ouvir sua opinião político-partidária. Estou pagando cursinho para assistir à aula de gramática — retruca a autora do vídeo.
Depois, a professora pede que a estudante fale com o coordenador. A aluna, por sua vez, diz que também filmou a aula e que vai repetir a atitude futuramente.
— Todas as suas aulas eu vou gravar e expor na internet, tá bom? — diz a estudante. — A senhora não pode entrar aqui e falar o que a senhora quiser. Estou pagando pela aula de gramática.
Bolsonaro comentou o vídeo neste domingo, ao chegar ao prédio em que mora um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). O presidente não explicou como o vídeo chegou até ele, nem se houve uma apuração da reclamação da aluna antes que as imagens fossem divulgadas em sua rede oficial. Ele se limitou a defender que os professores não podem mostrar "um lado só" em suas aulas.
— Nós queremos a escola sem partido, ou, se tiver partido, que tenha os dois lados. Não pode é ter um lado só na sala de aula — afirmou o presidente.
Nas redes sociais da estudante que gravou o vídeo, ela se diz filiada ao PSL, partido de Bolsonaro. Quando questionado, o presidente negou ter conhecimento disso.
— Não sei — disse ele.
Bandeira do Escola Sem Partido
A vigilância de alunos sobre professores é uma das principais bandeiras do projeto Escola Sem Partido — apoiado por Bolsonaro —, que propõe acabar com uma suposta "doutrinação" por parte de docentes. Embora o projeto já seja motivo de debate há alguns anos, somente a nova versão dele — apresentada em fevereiro pela deputada Bia Kicis (PSL-DF) — prevê, expressamente, que os alunos podem gravar as aulas:
"É assegurado aos estudantes o direito de gravar as aulas, a fim de permitir a melhor absorção do conteúdo ministrado e de viabilizar o pleno exercício do direito dos pais ou responsáveis de ter ciência do processo pedagógico e avaliar a qualidade dos serviços prestados pela escola".
O projeto está em debate no Congresso, e sua aprovação é vista por Bolsonaro e por muitos deputados do PSL como prioridade do governo.
O novo texto tem, em geral, medidas mais rigorosas para fiscalizar os professores do que as versões anteriores. Ele proíbe, por exemplo, que os grêmios estudantis promovam atividades político-partidárias e considera "ato de improbidade administrativa" o descumprimento de quaisquer dos pontos previstos pelo projeto. Também prevê a criação pelo Poder Público de um "canal de denúncias" destinado a reclamações de estudantes em relação a professores.
Leia mais: Confira cinco pontos da nova versão do Escola Sem Partido
No entanto, o movimento Escola Sem Partido já foi contestado pela Advocacia-Geral da União (AGU), pelo Ministério Público Federal (MPF) e por associações de professores.
— A insistência nessa pauta é um desrespeito com o mundo educacional. É uma proposta que fere princípios constitucionais de liberdade de cátedra e de pluralidade pedagógica — criticou a doutora em Educação pela USP Denise Carreira, coordenadora da Ação Educativa, em entrevista ao GLOBO em fevereiro deste ano.
Questionada sobre dispositivos que protejam os professores de perseguições, a deputada Bia Kicis, autora da nova versão do projeto, afirmou ao GLOBO, também em fevereiro, que a intenção é apenas garantir o "direito das crianças":
— Não há nenhum tipo de perseguição a professores, o que queremos é proteger as crianças para que sejam tratadas com respeito e que seja prestigiada a liberdade de crença prevista na Constituição.
Na mesma noite em que Jair Bolsonaro foi eleito, no último 28 de outubro, a deputada estadual Ana Caroline Campagnolo (PSL-SC) gerou repúdio de entidades de educação ao pedir na internet que estudantes vigiassem seus professores e denunciassem "manifestações político-partidárias ou ideológicas". A deputada disponibilizou, na ocasião, um número de WhatsApp para que os alunos enviassem vídeos das aulas de professores. Um dia depois, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) informou que foi aberto um procedimento para apurar possível violação ao direito à educação dos estudantes.
No dia 8 de fevereiro, uma liminar concedida pelo ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a retirada dessa publicação de Ana Caroline Campagnolo das redes sociais. A liminar foi resultado de um pedido do MPSC, que ingressou com ação civil pública "visando à garantia da liberdade de aprender e ensinar e do pluralismo de ideias nas escolas catarinenses".
Colaborou Daniel Gullino