Antes de tudo, falemos um pouco de Marineuma de Oliveira, nascida em Campina Grande, mas que viveu a infância e a juventude na cidade d...

O emocional coletivo em Marineuma de Oliveira

marineuma oliveira poesia paraibana
Antes de tudo, falemos um pouco de Marineuma de Oliveira, nascida em Campina Grande, mas que viveu a infância e a juventude na cidade de Pocinhos (PB), em meio a uma família de músicos e ativistas culturais. Reside em João Pessoa desde os anos 80, é educadora, poetisa, doutora em Linguística e professora aposentada da Universidade Federal da Paraíba. Admiradora da literatura e da poesia, é idealizadora e coordenadora do Poética Evocare (palavra cantada e ritmada), grupo que promove performances artísticas em escolas, eventos culturais, acadêmicos, buscando despertar o gosto pela leitura por meio de um diálogo interdisciplinar.

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Ensaios e apresentações do grupo artístico Poética Evocare, coordenado por Marineuma de Oliveira.
Leitora assídua, começou a escrever cedo, e em 1990 publicou seu primeiro livro de poesia, Vida Roda. A partir daí, dedicou-se ao magistério, aos projetos de extensão ligados à arte e à publicação de textos acadêmicos. Na pandemia, durante noites de insônia, sentiu-se estimulada a voltar a escrever poemas, com os quais, em 2021, compôs seu segundo título: Entre Parênteses. Já em 2022, venceu um concurso literário promovido pela União Brasileira de Escritores (UBE-PB), o que resultou na publicação do seu terceiro livro, Ponteio. Nesse período, passou a divulgar suas produções poéticas em diversos espaços dedicados à literatura, como o suplemento literário
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Correio das Artes e o Ambiente de Leitura Carlos Romero (carlosromero.com.br), além de publicar regularmente conteúdos literários em suas redes sociais. Seu mais recente livro, Da flor do olhar, produzido a partir de um projeto editorial ligado ao movimento Mulherio das Letras, foi lançado no final de 2023. A diversidade e a abrangência temática sempre abordadas com profundidade existencial são veementes na poesia de Marineuma de Oliveira. Desde o mais simples olhar para os costumes de um gato doméstico, ou para uma flor que nasce ao léu; aos “desatinos” da solidão e à "dualidade do ser”, sua poesia penetra nos questionamentos vivenciados e identificados com o universo próprio e comum aos leitores.

Uma marcante característica de seu estilo é a maneira singular de contar suas histórias em versos, despreocupados com ritmo ou rima. Em alguns momentos, prosa e poesia se fundem e se confundem. Ela conversa consigo, conta de si, de suas relações com o mundo e com o outro, fala de recordações de infância, adolescência, de seus tocs e manias, exercendo autocrítica em que se percebe o desejo de compartilhar experiências.

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Marineuma de Oliveira
Muitas vezes um diálogo se estabelece de maneira instigante com o foco das questões a se dirigir tanto a si como ao mundo. E nessa instigação há clara intenção de reforçar suas convicções, ainda que permeadas pelas dúvidas e incertezas.

A “conversa” de Marineuma flui livre como prosa. Em versos bem dosados, na medida certa, ela cria o ritmo que a caracteriza como poesia.

Observa-se no eu poético a permanente indagação sobre nossas identidades e aspirações, buscas interiores, vazios pertinentes à natureza humana, como em “Identidade”:

[...] O que se quer encontrar na gaveta há muito fechada, no fundo falso da mala, nas lembranças adormecidas, nos pensamentos censurados? Que rosto, em sombras envolto, se reflete num espelho embaçado, vaidoso de ser um Narciso, mesmo que desfigurado? [...]

A velhice, com seus problemas e a dura realidade, são temas que se evidenciam em Marineuma sob olhar fraterno e compreensivo que, apesar de realista, sutilmente nos impele a encarar a idade com respeito pelos idosos.

É nítida a rebeldia de Marineuma aos estigmas e às convenções que limitam a plenitude do ser. Ela não tem medo algum de desafiar certas verdades, muitas vezes inibidas e ocultas por conveniência ou repressões de uma época. Sua temática surge ora provocativa, ora reflexiva, ora terna e simbólica, com aparente inconclusividade em que, talvez, haja objetivo de produzir e estimular mais reflexões à leitura.

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Marineuma, na Festa Literária de Paraty, Rio de Janeiro, onde lançou o livro Da flor do olhar.
Ao revelar desacanhadamente suas manias, tanto em poesia como em prosas, Marineuma se irmana com a ansiedade comum ao mundo contemporâneo. Mas o faz com louvável intenção de despertar nas pessoas a noção de gravidade a que podem chegar os chamados tocs, gerando mais angústia ao atual e estressado comportamento urbano.

[...] Ando pelas ruas tirando os noves fora das placas dos carros. Na calçada esburacada, procuro não pisar nos finos traços que separam os ladrilhos. Ao abrir uma porta e fechá-la atrás de mim, dou dois passos para trás e volto para conferir se está mesmo trancada. [...]
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A solidão é tema frequente em sua escrita. Os sonhos e desejos se misturam frustrados perante as dúvidas e incertezas do pusilânime destino do qual ninguém escapa. Sem perder, no entanto, a esperança que ilumina sua poesia em feixes sutis de romantismo, como em “Virtual”:

[...] E, de repente, num cometa brilhante, você aparece. E me diz tudo aquilo que quero escutar. E faz comigo uma viagem vertiginosa, inacreditável. E, depois, desaparece, por entre palavras e nicks, me deixando a planar. E, aos poucos, aterrisso e, outra vez, volto a ser tão-somente real.

As marcas de sua vivência como criança são expostas com lirismo e realismo pungente. As relações familiares com pais, avós, o ambiente simples em que foi criada e que cedo a fez despertar para o contexto social, as lembranças da galochas que herdou da “prima rica”,
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a obrigação de lavar as flores de plástico da casa, em dias de faxina, que para ela eram uma festa; tarefa da qual nada gostava, mas que hoje lhe fazem uma falta enorme no desejo de reviver um passado distante, em uma “longínqua” infância. Dos tempos em que pisava na água da chuva com cheiro bom de terra, a olhar “o curso da água que corria rente ao meio-fio, as últimas gotas que caíam pelas biqueiras”, achando que só “aquilo lhe bastaria”...

No poema Das Terezinhas de Jesus, o que foi vivido nas brincadeiras de roda emerge como sentimento de solidariedade diante das frustrações das muitas terezinhas deste mundo de ilusões experimentado por quem busca a felicidade onde ela nunca estará. Dos que perseguem angustiadamente a perfeição utópica nos sonhos infindáveis da existência que o tempo consome inexoravelmente sem piedade.

Dessas brincadeiras infantis, Marineuma extrai lições de humanidade ao identificar nos costumes, nos ditos populares, nas histórias infantis, algumas inconveniências de linguagem que podem redundar na ambiguidade de interpretação e criar nas crianças temor, sentimento de discriminação social e violência com animais.

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No comovente poema Arco-íris — um dos mais bonitos — a autora se reporta a um episódio em que pegou para si uns “cotocos” de lápis de cor, da colega de escola, que havia ganhado “uma caixa novinha com trinta e seis cores de encher os olhos”. A tia da menina “foi dizer à sua mãe que ela roubara os lápis da sobrinha”.

Jurei que nada sabia e me surpreendi com a certeza da minha inocência com que minha mãe me defendeu. Senti vergonha. E quando anoiteceu, sem que ninguém visse, deixei o arco-íris na porta de sua dona

A maneira como o poema é arrematado dá o tom lírico com que a poetisa é capaz de revestir assuntos densos com suavidade e fantasia, provocando envolventes reflexões no leitor. A exemplo das desigualdades sociais, tema para o qual despertou como criança e reforçou na maturidade.

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Os textos (prosa e poesia) de Marineuma de Oliveira são publicados no Ambiente de Leitura Carlos Romero.
As lembranças coloridas das viagens, como as de Cartagena, do Caribe, de Bogotá, que trouxe como atenta observadora, lhe renderam floridos poemas, mas com sentimento de “uma saudade quase roxa do meu lugar”.

As perdas geradoras de tristezas permanentes, dos entes queridos, “o inevitável espanto diante de inusitadas partidas” permeiam o imaginário sombrio que, vez por outra, vem à tona, oscila entre saudade e esperança, ciente de que a morte “insiste em deixar bem abertas as nossas feridas”. São fatalidades das quais ela não foge e, com coragem, faz questão de “viver as despedidas e que todas as palavras, mesmo as mais duras, possam, sim, ser ditas”.

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Marineuma, em família.
Assim, em meio ao leque de múltipla abrangência, Marineuma de Oliveira imprime em sua poesia a diversidade de sentimentos que pululam na intimidade, sobre os quais parece não ter medo de expor. Em sua predisposição reside a intenção de que os poemas sirvam para ajudar aos leitores que cativa, solidariamente, com a simbiose de sentimentos comuns. Sentimentos que se entrelaçam e emergem das conversas a sós para o emocional coletivo, o grande alvo de sua poesia.

Texto publicado no catálogo A Paraíba na Literatura - Volume V - editado por A União (PB), como parte de um projeto iniciado em 2020 e
que já conta com outros quatro volumes com participação de autores paraibanos (perfiladores) sobre personalidades importantes de nossa cena literária (perfilados). O livro esta disponível na Livraria A União, localizada no Espaço Cultural, em Tambauzinho, João Pessoa.

Grande parte da produção literária de Marineuma de Oliveira encontra-se disponível no Ambiente de Leitura Carlos Romero: www.carlosromero.com.br

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  1. 👏👏👏👏👏👏👏🙏❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️✂️🧵🪡

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  2. Os poetas precisam mesmo ser lembrados, Germano. Parabéns. Francisco Gil Messias.

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  3. A poesia de Marineuma emociona e inspira! Sou sua fã há muito tempo! ( Teresa Dália)

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  4. Obrigada, minha querida (Marineuma

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  5. Parabéns ao crítico Germano, análise muito lúcida, e a Marineuma pelo brinde poético.

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