Siga a folha

Descrição de chapéu Desigualdade global

Sociedade precisa se convencer do problema que é a desigualdade, diz Martin Wolf

Para comentarista-chefe do jornal Financial Times, ascensão do populismo é um dos sintomas da 'doença' da disparidade de renda

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Londres

Para Martin Wolf, 73, comentarista-chefe do jornal Financial Times, a ascensão do populismo é sintoma da "doença" da desigualdade de renda e só tem a oferecer respostas que tornarão as sociedades "mais furiosas, menos justas e mais violentas".

Segundo ele, o populismo de direita é quase sempre "uma fraude". "O de esquerda pode ser mais produtivo, mas apenas se for muito disciplinado". O risco, diz, é terminar como a Venezuela. Wolf, um dos mais conceituados colunistas de economia e finanças da atualidade, afirma que a sociedade precisa se convencer de que a desigualdade é um problema.

Martin Wolf, 73, comentarista-chefe de economia no Financial Times e doutor em economia pela London School of Economics - Se tivermos apenas sociSikarin Fon Thanachaiary – 23.jan.2019/World Economic Forum

As evidências mostram importante aumento da desigualdade de renda em praticamente todos os países. Há meios de reverter ou atenuar essa tendência?

É importante perceber que, embora existam tendências subjacentes que podem ser vistas no mundo todo, o que sugere que algumas forças econômicas estão presentes, também vemos enormes diferenças [em relação ao grau de desigualdade] entre países com níveis similares de renda. Isso evidencia que há coisas a serem feitas.

Se você tiver uma educação de alta qualidade, como alguns países da Europa continental e o Japão, isso reduz a desigualdade drasticamente.

Há políticas de gastos e de impostos. Há regulamentações e normas que afetam a economia. Há o papel dos sindicatos e o de outras atividades humanas que, de modo cumulativo, fazem muita diferença. Em última análise, todas essas coisas refletem até que ponto a igualdade é uma norma social.

Se uma sociedade como um todo não acredita que seja possível um grau razoavelmente alto de igualdade, e de igualdade de oportunidades para filhos de pessoas pobres, será impossível obter um alto nível de educação para todos.

Se tivermos apenas sociedades muito heterogêneas, com níveis relativamente limitados de solidariedade, sobretudo entre ricos e pobres, as instituições não forçarão a igualdade, o governo será indiferente a essa questão e nada vai acontecer.

Ao contrário de respostas solidárias, o que se vê em todo o mundo são respostas populistas, sobretudo da direita, não?

O populismo de direita é quase sempre uma fraude, porque essencialmente é uma maneira de desviar a atenção e ignorar as pessoas que estão sofrendo com a desigualdade. Coloca-se a culpa nos imigrantes, nos estrangeiros, nos criminosos, e os verdadeiros problemas não são enfrentados.

Acho que o populismo de direita é sempre uma armadilha e um delírio. O populismo de esquerda pode ser mais produtivo, mas apenas se for muito disciplinado. Se você só gastar muito dinheiro sem pensar a respeito, pode acabar como a Venezuela.

O populismo é um sintoma dessa doença [a desigualdade], e às vezes dá uma resposta ou outra, mas nunca a resposta final. É preciso respostas mais inteligentes e, acima de tudo, que a sociedade realmente acredite que esse é um problema a ser enfrentado.

O sr. diria que Donald Trump, brexit e políticos de esquerda e de direita são produtos da desigualdade?

Diria que são em parte produto da desigualdade, sim. Eles também são o resultado da estagnação e até certo ponto o resultado da mudança cultural. Mas a desigualdade ou a crescente desigualdade é uma parte disso.

O que me preocupa é que respostas como Trump e brexit não farão nada para resolver o problema. Na verdade, vão piorar as coisas e vão encorajar as pessoas a culpar algum outro grupo, muitas vezes mais vulnerável. Isso tende a tornar a sociedade ainda mais dividida. Essas respostas são uma consequência de males sociais, mas nunca serão uma solução para isso.

Tivemos uma longa experiência com o populismo de direita no mundo nos últimos 150 anos que levou, na minha opinião, ao desastre. O populismo de esquerda geralmente fez a mesma coisa, de maneira bastante uniforme.

Então, o que me preocupa é que ao mesmo tempo em que entendo o ultraje populista, entendo a necessidade de mudança. Sinto que os políticos populistas só oferecem respostas que tornarão nossas sociedades mais furiosas, menos justas, mais amargas e violentas.

Alguns acadêmicos defendem a implementação de renda básica universal para atenuar a desigualdade. O que o sr. acha?

Eu diria que essa não é a resposta fundamental. Se você tiver condições de aumentar substancialmente os impostos, então pode adotar gastos para tornar a sociedade um lugar melhor, e menos desigual. Mas a renda básica não é suficiente para atingir esse objetivo.

Porque ainda haveria o problema da educação, que não se resolve com renda básica. Haveria a questão da preocupação com o nível de prosperidade da sociedade, que depende fundamentalmente do investimento em infraestrutura e em tudo o que torna uma sociedade produtiva.

Para fazer um programa desses funcionar, de modo que se dê uma renda mínima a todos, seria preciso elevar o nível dos impostos para um patamar muito alto. E é óbvio que, quando se pensa nisso, será preciso tirar dinheiro da classe média e depois devolver isso a ela. A renda básica não vai resolver muitas das coisas das quais dependem a vitalidade, a prosperidade e as perspectivas de uma sociedade. Preocupa-me que isso esteja sendo apresentado como uma panaceia.

Acompanhe a série em folha.com/desigualdadeglobal

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas