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Astrofísica PhD em Chicago vai ajudar sobrevivente do massacre de Suzano a realizar o sonho de estudar astronomia

Vivian Miranda, que tem projetos com a Nasa, se comoveu com a vontade de Letícia Nunes, 15 anos, e prometeu dar aulas de graça à menina: 'Será um tapa na cara do ódio'
Letícia de Mello Nunes, 15, sobreviveu ao ataque a sua escola em Suzano e sonha se tornar astrônoma Foto: Arte de Lari Arantes sobre arquivo pessoal
Letícia de Mello Nunes, 15, sobreviveu ao ataque a sua escola em Suzano e sonha se tornar astrônoma Foto: Arte de Lari Arantes sobre arquivo pessoal

De um lado, uma garota de 15 anos, sobrevivente de um ataque a sua escola, em Suzano (SP). Do outro, uma astrofísica brasileira que trabalha na Universidade do Arizona, tem projetos com a Nasa e mais de 23 artigos científicos publicados. Em comum, a paixão pelas estrelas.

Letícia de Mello Nunes ficou cara a cara com os atiradores que invadiram sua escola e mataram dez pessoas. Foi baleada na região lombar e só não teve desfecho pior porque uma amiga sua, Beatriz, brigou com um dos rapazes para protegê-la. As duas passam bem. Em entrevista a um canal de TV, ela afirmou que tem um sonho: estudar astronomia. Do Arizona, a astrofísica Vivian Miranda se comoveu com a história e decidiu ajudar a garota: “Eu me comprometo a ensinar astronomia para esta estudante valente gratuitamente. E a orientá-la em seus estudos”, escreveu em uma rede social.

A redação de Celina entrou em campo e colocou Vivian em contato com a família de Letícia. O resultado? Uma dupla em ação pelo sonho da menina.

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Afinal, como se tornar uma astrofísica? Não é uma tarefa simples para uma menina tão nova, vítima de um trauma terrível e filha de uma empregada doméstica e de um marmoreiro. Mas Vivian quer dar livros, incentivar a escola de Letícia a participar de olimpíadas de ciências, ajudar a conseguir uma bolsa em um cursinho para a menina, auxiliar na escolha da universidade, dar cartas de recomendação para instituições americanas e tudo mais que estiver ao seu alcance.

- Não quero promoção. Quero apenas ajudá-la pois tenho a convicção de que este tipo de ação é a única forma de vencermos o ódio. Não importa qual religião, orientação política… ela é uma brasileira, uma aluna com um sonho semelhante ao meu, que com coragem enfrentou um trauma gigantesco e manteve seu amor pela astronomia. Eu ficarei muito feliz se ela realizar o sonho de fazer carreira como cientista. Será um tapa na cara do ódio.

Vivian Miranda é astrofísica com 23 artigos publicados, trabalhos com a Nasa, doutorado pela Universidade de Chicago e quer ajudar Letícia Foto: Arte de Lari Arantes sobre arquivo pessoal
Vivian Miranda é astrofísica com 23 artigos publicados, trabalhos com a Nasa, doutorado pela Universidade de Chicago e quer ajudar Letícia Foto: Arte de Lari Arantes sobre arquivo pessoal

Vivian mora há nove anos nos Estados Unidos. Se formou no Brasil, depois fez doutorado na Universidade de Chicago. Hoje está na Universidade do Arizona, tem projetos com a Nasa, trabalhos publicados e é convidada para cursos no Brasil em universidades como UFRJ e Unesp.

Tudo que realizou profissionalmente, foi acompanhado de uma realização pessoal igualmente desafiadora: Vivian é uma mulher trans. Só conseguiu fazer sua transição já nos EUA.

- Exemplos são importantes. Para mim faltou muito exemplo. Há alguns anos, os únicos transexuais no Brasil estavam na prostituição. Aqui vi exemplos na academia e entendi que era possível.

O sonho de ser cientista

Letícia diz que evita pensar no que aconteceu em Suzano, nos colegas que perdeu ou na coordenadora com quem sempre conversava. É uma tranquilidade frágil: a família se preocupa com a volta para a escola. Mas ela está determinada a retornar logo aos estudos e prefere pensar que agora, no ensino médio, vai poder ter aulas de física. Mais um passo na direção do espaço.

Até os oito anos, como muitas garotas, Letícia pensava em ser professora. Mas aos nove assistiu a uma reportagem na televisão que lhe mostrou o universo e a deixou encantada "pela beleza das estrelas e galáxias". Dessa forma, descobriu a astronomia e, desde então, se mantém fiel à vontade de se dedicar aos astros.

- Acho que vida de cientista não é fácil, tem que ter muito esforço e dedicação. A gente vê mais homens nessa área, mas tem mulher também. Para Deus nada é impossível, ele vai na frente e a gente corre atrás do nosso sonho - diz Letícia.

A mãe da menina, Valéria de Mello Oliveira Jesus, não entende bem a coisa da astrofísica, mas sabe perfeitamente o tamanho do desafio que a filha vai enfrentar e está disposta a tudo para que ela vença mais essa batalha.

- Eu acho bem difícil, ela me explica, me mostra as coisas. Eu dou muita força porque quando a gente tem um objetivo, a gente tem que lutar pelo que quer. A gente vai lutar pelo sonho dela, nós vamos fazer de tudo para ajudá-la.

Uma amiga na Nasa

Para que Vivian e Letícia pudessem se conhecer, a redação de Celina colocou as duas em contato por telefone: uma no Arizona, a outra em Suzano. Foi uma conversa animada por palavras de incentivo e cheia de fascinação pela ciência.

- Quando eu tinha dez anos, a professora de português da minha escola perguntou o que eu queria ser quando crescesse. E eu falei "eu quero trabalhar na Nasa". Ela me disse para pensar em alguma coisa melhor. Quando ganhei o meu primeiro contrato com a Nasa, eu mandei um e-mail para a minha escola e contei a história, afirmando que consegui porque não desisti. Então eu quero que a Letícia não desista do sonho dela porque é muito legal estudar astronomia - disse Vivian à menina, na conversa mediada por Celina.

Letícia não falou muito. Ria e dizia apenas “isso é verdade” ou “muito interessante”, ávida por conhecer o universo de alguém que vive seu sonho diariamente. Fez uma única pergunta:

- Como foi a sensação de realizar o sonho de estudar astronomia?

- Imagina dar todos os pulinhos do universo, dançando música, essa é a alegria de realizar o sonho. Quando passei para a UFRJ ou para estudar nos EUA, foi bem assim. Foi como se eu tivesse ganhado a Copa do Mundo - respondeu Vivian.

A astrofísica contou à menina sobre sua experiência na adolescência com as olimpíadas de astronomia, seus artigos publicados, telescópios, galáxias, viagens, universidades e muito estudo:

- Eu chorei muito quando vi sua história. Chorei porque vi a sua garra, e garra e determinação são 95% do que você precisa. Vamos conversar com sua mãe e com seus professores para que eles te apoiem. Vamos manter contato, da forma que você preferir, mas minha mensagem é essa: fiquei muito orgulhosa da sua força de vontade, do seu desejo de voltar para a escola, seu sonho de estudar astronomia. Quero te dar todo o suporte.

Vivian e Letícia prometem se encontrar quando a astrofísica estiver em São Paulo. Por enquanto, a menina comemora que agora terá alguém para orientá-la rumo à astronomia:

- Eu acho que a Vivian pode me ajudar. É alguém que quer apoiar, porque não são muitas as pessoas que conseguem chegar lá. Mas a Vivian chegou e acho que ela pode me mostrar o caminho para chegar também.

O terror é passado. Há um futuro infinito para Letícia.