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Cielo recupera o fôlego e luta por tri inédito: 'Ainda posso voltar a ganhar'

Brasileiro pode ser o primeiro no mundo a conquistar três ouros mundiais nos 50m livre. Disputa em Barcelona marca recomeço após cirurgia nos joelhos

Por Direto de Barcelona

Na pista ou na piscina, velocistas aprendem desde cedo a correr contra o tempo e superar limites. Travando uma briga incansável contra o relógio, passam a vida inteira tentando atingir uma velocidade que jamais alguém alcançou. Poucos realmente chegam até lá. Os que conseguem sofrem para permanecer no topo. Na natação, apenas três atletas no planeta foram duas vezes campeões mundiais da prova mais rápida e tradicional da modalidade, os 50m livre. Dois (Alexander Popov e Tom Jaeger) já estão aposentados. Um permanece desafiando a lógica: Cesar Cielo. Campeão em Roma 2009 e Xangai 2011, o ídolo brasileiro tenta encerrar a fase difícil de sua carreira com o inédito terceiro título no Mundial de esportes aquáticos de Barcelona, a partir deste domingo.

- O desafio de conseguir sempre um tempo abaixo é um sentimento que, para mim, não tem preço. Conseguir tirar aquele um centésimo é o que me deixa satisfeito. Isso me faz ir ao treino todos os dias, dormir cedo, comer direitinho... A rotina no esporte de alto nível é bem massacrante. Mas, enquanto eu achar que posso nadar mais rápido, vou continuar nadando. O desafio de competir, de melhorar e de ganhar dos outros me faz continuar me dedicando da forma que me dedico até hoje - afirmou o campeão olímpico, que faz sua estreia em Barcelona neste domingo, a partir das 5h da madrugada (horário de Brasília), nas eliminatórias dos 50m borboleta.

cesar cielo natação maria lenk (Foto: Satiro Sodre/SSPress)Cesar Cielo disputa as eliminatórias dos 50m borboleta neste domingo (Foto: Satiro Sodre/SSPress)

Em Barcelona, Cielo encontrará uma realidade bem diferente da dos últimos dois mundiais. Para começar, pela primeira vez não será o grande favorito. Além dos quatro anos a mais nas costas, passou por uma cirurgia nos dois joelhos e ainda sofre para recuperar a forma e performance de antes. Até seus adversários já não são mais os mesmos. O que ainda parece permanecer intacta é a vontade persistente, quase teimosa, em seguir batendo na frente. Em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM, o bicampeão mundial analisou suas chances no Mundial, explicou sobre a recente mudança de técnico e revelou o medo de não superar uma lesão crônica e ter de abandonar o esporte.

GLOBOESPORTE.COM: Depois de uma temporada tão diferente e cheia de limitações, quais são suas pretensões para Barcelona? O fato de poder ser o primeiro a conquistar o tri dos 50m livre o motiva?
Cesar Cielo: Mais do que qualquer outra coisa, eu quero é ganhar de novo. Quero superar aquela ansiedade, aquele momento crítico. Quero conseguir colocar na piscina um tempo que considero real para mim. É claro que existe essa possibilidade do tri. Mas, mais que ganhar o tri, quero ser campeão mundial de novo. Acho que a gente está em um caminho que, se Deus quiser, vai brigar por esse tri.

Já tem na cabeça o tempo que precisa fazer para vencer os 50m livre?
Acho que 21s20 será o tempo do campeão no Mundial. Talvez alguém consiga nadar entre 21s10 e 21s20. Mas a gente está mirando algo em torno de 21s20.

Com a limitação da parte física, não consegui fazer muita coisa que queria fazer. Foi um conflito interno. É difícil você querer fazer uma coisa e não conseguir fazer e, mesmo assim, continuar acreditando que a temporada vai dar certo."
Cielo

E como imagina que será a briga pelo bicampeonato nos 50m borboleta?
Acho que tem uns cinco ou seis nadadores que podem ganhar essa prova. Desses, tem uma grande chance de o Nicholas e eu fazermos pódio. Estou imaginando uma prova muito disputada, como toda prova de 50m. Mas, se todos esses seis grandes nadadores entrarem na final, acho que tem tudo para ser uma das provas mais disputadas e emocionantes da competição.

Ainda pretende voltar a disputar os 100m livre?
No José Finkel (agosto), ainda não pretendo nadar os 100m por ser logo depois do Mundial. Estou pensando em nadar no Open (dezembro). Mas estou esperando ver o resultado do Mundial para pensar melhor nisso. Na verdade, a gente continua treinando para os 100m. O treino dos 50m acaba sendo o treinamento da prova mais longo também. Não dá pra fazer um treino tão curto. Eu acho que fisicamente estou até preparado para nadar essa prova de novo. Agora, preciso ter na cabeça que vou conseguir voltar a nadá-la bem.

Um ano depois de Londres, que avaliação faz do seu desempenho? Acredita que fez realmente o que poderia ter feito naquele momento?
Não. Se eu tivesse alcançado o que achava que fosse o meu limite na prova, certamente não estaria passando o que estou passando nesses últimos meses. Nem precisaria fazer cirurgia. Seria aquela coisa de você acreditar que fez a melhor prova que poderia ter feito. E não foi isso. Sinto que a gente cometeu alguns erros. Em alguns momentos, poderíamos ter mudado o curso das coisas, poderíamos ter tomado decisões diferentes. Então, acho que ainda posso voltar a ganhar a prova nos próximos anos. Passei pela cirurgia e mudei de técnico porque acredito que, tendo uma temporada com as decisões corretas, ainda posso brigar pela prova.

Cesar Cielo, Trofeu José Finkel, NAtação (Foto: Satiro Sodré / Agif)Após bronze em Londres, Cielo vai defender seu título mundial nos 50m livre (Foto: Satiro Sodré / Agif)

Você sempre evitou falar sobre suas lesões. Como estava o seu joelho em Londres?
Em Londres, estava muito inseguro para falar sobre o meu joelho. Eu mesmo estava inseguro com ele. Não sabia o que ia acontecer. Apesar de não acreditar muito, tem aquele lance da voz popular. Às vezes tem um jogador de futebol que se machuca, precisa operar, e sempre tem alguém que diz: “Esse nunca mais volta.". Esse era um dos maiores medos que eu tinha. Das Olimpíadas até o momento de ir para a cirurgia, ficava pensando nisso. Mas os médicos diziam que conseguiria me recuperar e voltar até melhor. Antes da cirurgia e até março deste ano, ficava pensando se o meu joelho voltaria a ser como era. Tinha dúvidas o tempo inteiro. O dia passava e a dor não melhorava. Não conseguia empurrar a baliza na hora da saída. Foi um momento muito difícil. Mas hoje me sinto seguro para conversar sobre isso e sei que posso voltar a nadar rápido.

Essas dores nos joelhos te acompanham há muitos anos?
Em 2006, começou a doer o joelho direito. Por causa disso, passei a compensar com o esquerdo. Na temporada de treinamento do Pan de 2007, acabei machucando o direito. De lá para cá, foi só piorando. E continuei forçando da mesma forma. Quando chegava em casa, colocava gelo e fazia fisioterapia. Até que chegou uma hora que não dava mais. Nós cogitamos fazer a cirurgia depois do Pan de 2011, mas ficamos com medo da recuperação não responder da maneira que a gente imaginava. Então, optamos por esperar as Olimpíadas passarem. Em 2012, eu basicamente tive que me limitar como se estivesse feito uma cirurgia. Não pude fazer várias coisas por causa da dor.

Cada vez mais vou me preparando para as adversidades. Hoje, poucas coisas me surpreenderiam a ponto de estragar a minha performance"
Cielo

A cirurgia então foi inevitável para  continuar nadando em alto nível?
Não dá para eu chegar mais 70%, 80% nas competições. Não posso mais querer ganhar do melhor do mundo se o meu corpo não está suportando isso. A gente sabia disso quando foi para as Olimpíadas. Esse foi até um dos motivos para cogitar sair da prova dos 100m e tentar guardar o máximo para os 50m. A gente sabia que 100% não tinha como chegar. Depois das Olimpíadas, quando vi que não dava mais, não estava suportando mais o ritmo de competições, pensei: “Ou eu faço a cirurgia para ir 100% para as provas ou paro de nadar.”

De Londres para cá, você fez algumas mudanças. Como foi este último ano?
Foi uma experiência muito grande tudo o que aconteceu. Aprendemos com os erros que cometemos. A questão do clube não foi uma coisa do meu controle. A gente sabia que, se a Patrícia (Amorim) saísse, ficaria complicada a situação dos esportes olímpicos no Flamengo. Optei em ir para o Clube de Campo de Piracicaba porque sabia que lá meu espaço e as minhas vontades seriam respeitados. Não teria salário, mas reencontraria amigos e teria tranquilidade para fazer o que gostaria em vez de ficar nadando várias provas para somar pontos para o clube. Na parte do técnico, era uma mudança que achei que precisava ter, achei que era necessária para voltar a ter os resultados que queria. Foi uma transição que mudou um pouco o estilo de treinamento, mas não foi uma grande surpresa. O sistema de treinamento do Scott (Goodrich, atual técnico) é muito parecido com o que eu fazia em Auburn.

O que o fez pensar em fazer a mudança de técnico?
Sabia que não podia mais continuar fazendo as mesmas coisas e querer resultados diferentes. Foi a forma que vi de fazer uma mudança positiva e, ao mesmo tempo, ter um cara ao meu lado em quem eu confie e que também tem aquela ambição de conseguir os resultados. Também queria voltar ao estilo de treinamento que tive sucesso em 2007 e 2008. A mudança foi bem grande em relação ao que vinha fazendo nos últimos três anos. No começo, sofri bastante para me adaptar. É um treino com muita velocidade, muitos tiros e intensidade alta. Mas agora já estou nadando bem, estou me sentindo confiante.

Cesar Cielo, Natação, Londres 2012 (Foto: Jonne Roriz / Agência Estado)Cesar Cielo não segura as lágrimas após receber o bronze em Londres (Foto: Jonne Roriz / Agência Estado)

Com essas mudanças e a cirurgia, acredita que foi uma temporada muito turbulenta?
Com a limitação da parte física, não consegui fazer muita coisa que queria fazer. Foi um conflito interno. É difícil você querer fazer uma coisa e não conseguir fazer e, mesmo assim, continuar acreditando que a temporada vai dar certo. No ano passado, não deu para fazer nada de treinamento com os membros inferiores. Mas, a partir do Maria Lenk (abril), tem sido diferente. Apesar de ter algumas limitações ainda, acho que foi uma temporada muito melhor, mais proveitosa e com muito mais volume e qualidade do que antes. Hoje, me sinto muito melhor para nadar do que estava para o Maria Lenk.

Que lições tirou desse momento difícil convivendo com a dor?
Cada vez a gente vai ficando mais calejado, mais preparado. Sinto que a cada ano vou adicionando uma coisa diferente na minha carreira. Cada vez mais vou me preparando para as adversidades. Hoje, poucas coisas me surpreenderiam a ponto de estragar a minha performance. Teria que ser uma coisa muito fora do meu controle para me afetar no dia da competição. Consigo controlar minhas emoções muito melhor do que antes.