Fiasco universitário

Meses atrás assisti a um encontro do turno noturno do Grupo de Teatro Universitário da UFPA, no qual foram apresentados resultados de oficinas de interpretação com textos de Plínio Marcos. Àquela altura, o trabalho desenvolvido no grupo parecia animador. Atores e atrizes em sua maioria mostravam energia cênica, consciência de textos e subtextos, entrega real, enfim, tudo o que uma direção deseja para lapidar. Lembrando desse dia, torna-se difícil explicar como Recordo Ainda, espetáculo que resulta de todo o processo do GTU noturno, tem tantos e tão primários problemas. A primeira apresentação, para além de uma compreensível insegurança da equipe, mostrou carência de direção, dificuldades generalizadas de interpretação, uma dramaturgia pueril e um trabalho criativo inócuo em visualidade, coreografia e música.

A proposta, sem dúvida ousada, é falar das memórias de um personagem central a partir dos chamados “sentimentos materializados”. Os personagens deixam de ser indivíduos particulares com intenções que justificam a ação e carregam sensações, mas representações das próprias sensações, supostamente universais. Mas esperamos do início ao fim que as cenas comuniquem algo de profundo sobre esses sentimentos, e em nenhum momento há um estado de presença cênica ou um nível de interpretação que dê conta disso. É quase inacreditável quando se ouve, para citar apenas um exemplo, a Vaidade mostrar a vergonha de ser estuprada dizendo “estou com tanta vergonha”, recurso de pobreza extrema, que foi genialmente ironizado em Sonho de uma noite de inverno, dos Varisteiros (http://is.gd/dFyb9C).

Recordo Ainda demonstra também não ter conseguido integrar as várias linguagens que mobiliza em prol de uma narrativa coerente. A música passa sem deixar qualquer impressão, acompanhada por coreografias mornas e simplórias. Canto, técnicas circenses, fragmentos de poemas conhecidos e outras linguagens aparecem em momentos pontuais, sem construir sentido, evidenciando mais uma vez a fraqueza da direção. A distribuição das cenas no palco, com alternância entre um plano alto, o chão e plataformas móveis, talvez seja o único indício de uma intenção narrativa consciente. Sobre a cena “interativa” que acontece na metade do espetáculo, pouco se pode comentar. É um momento de absurdo e comicidade perdido em meio a um espetáculo perdido, onde o jogo entre os atores acontece mais fluidamente, mas fica por ser explicado o motivo do público ser levado para o palco, já que ele permanece em suas cadeiras, sem participação alguma na cena.

Todos esses problemas são, frise-se, responsabilidade da numerosa equipe que dirige o projeto, que transparece, pelo resultado que apresenta, grandes dificuldades de trabalho entre si. A tradição é que os atores e atrizes do GTU sejam de diversas procedências, muitxs nunca fizeram teatro, outrxs se acostumaram com uma forma de fazer que não é a aplicada no grupo, mas todxs compartilham do prazer e da empolgação de estar em um espetáculo pelo qual o público sempre espera. Aqui não é diferente. O que torna Recordo Ainda marcante negativamente é que essa coletividade poderosa foi desperdiçada.

Foto: Página do espetáculo no Facebook

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