20/04/2013 07h15 - Atualizado em 20/04/2013 07h37

Após 40 anos, Itanhaém é relembrada pela gravação de 'Mulheres de Areia'

Praia dos Sonhos foi cenário para a primeira versão da novela.
Gravações aconteceram na década de 1970.

Mariane RossiDo G1 Santos

Estátua 'Mulheres de Areia' que foi feita após a novela (Foto: Mariane Rossi/G1)Estátua 'Mulheres de Areia' que foi feita após a novela (Foto: Mariane Rossi/G1)

A cidade de Itanhaém, no litoral de São Paulo, ficou conhecida nacionalmente após as gravações da versão original da novela Mulheres de Areia, na praia dos Sonhos, na década de 1970. Toda a agitação que as gravações provocaram na pequena cidade litorânea estão na memória dos moradores mais antigos. Após 40 anos da novela, eles lembram dos artistas, das curiosidades e de todos os detalhes das gravações de uma novela de sucesso e das marcas que a ficção deixou na vida dos itanhaenses.

Dulcineia Fão, moradora de Itanhaém lembra várias gravações da novela (Foto: Mariane Rossi/G1)Dulcineia Fão, moradora de Itanhaém, lembra as
gravações da novela (Foto: Mariane Rossi/G1)

Dulcineia Batista Mendes Fão nasceu em São Paulo, mas se encantou por Itanhaém logo quando passou as primeiras férias na cidade, ainda quando criança. Quando tinha 9 anos, a família decidiu morar na cidade do litoral sul. Dulcineia teve a oportunidade de acompanhar, na Praia dos Sonhos, as gravações das cenas da primeira versão da novela Mulheres de Areia, exibida na extinta TV Tupi. Dulcineia, que está com 50 anos, é casada e tem filhos, e relembra com felicidade o quanto a novela marcou sua infância e a história da cidade que ela tanto ama.

A comerciante conta que o pai começou a fazer amizade com os pescadores e a trabalhar com eles. Ainda menina, ela acompanhava a rotina de idas e vindas dos barcos no mar. O dia a dia da Praia dos Sonhos mudou com a chegada dos atores e da produção da novela na cidade. “Eles vieram e era aquela coisa de ter artista na cidade. Era uma festa, isso aqui lotava de gente”, fala, em frente a praia onde aconteceram as gravações. “Para tornar a cena mais real, o ambiente mais natural, às vezes eles aproveitavam a saída das canoas para o mar. Por várias vezes, meu pai acabou aparecendo nas cenas porque ele estava botando a canoa para dentro ou chegando. Eles aproveitavam o movimento natural porque o comércio não podia parar”, descreve.

Foto antiga durante das gravações em Itanhaém, SP (Foto: Arquivo/Prefeitura de Itanhaém)Foto antiga durante das gravações em Itanhaém,
SP (Foto: Arquivo/Prefeitura de Itanhaém)

A novela contava a história de duas irmãs gêmeas idênticas, Ruth e Raquel, com personalidades diferentes. Ruth se apaixona por Marcos Assunção, o rapaz rico que chegou à cidade litorânea de Itanhaém. O galã acaba se casando com Raquel, que só tem interesse no dinheiro dele. Quem protege e ajuda Ruth a ficar com Marcos é Tonho da Lua, famoso por esculpir mulheres nas areias da praia, que dá o nome a novela. As gravações não aconteciam todos os dias, já que as cenas do núcleo rico da novela aconteciam em São Paulo. Mas os principais artistas, que interpretavam as personagens que viviam na ‘Praia dos Pescadores’, é que eram vistos em Itanhaém. A atriz Eva Wilma interpretava as irmãs Ruth e Raquel, Carlos Zara que fazia o papel de Marcos Assunção e ator Gianfrancesco Guarnieri era o Tonho da Lua, eram presença frequente no local.

Dulcineia estima que 90% das cenas eram gravadas na Praia dos Sonhos. A moradora fala que uma casa bem próxima as pedras, e ao final da praia foi cedida por um pescador conhecido como ‘Bagrinho’. O local servia como residência das gêmeas, da mãe e do pai delas, que também era pescador. “Ficou uma coisa bem natural, porque a casa era bem simples”, conta Dulcineia. Após as gravações, o morador de Itanhaém voltou para a casa, mas logo depois que ele faleceu a construção foi demolida e nada mais foi erguido ali.

Não só as cenas das novelas fizeram parte da infância de Dulcineia, mas, principalmente, tudo que acontecia nos bastidores e na cidade por causa da gravação de Mulheres de Areia. “Depois que acabava, às vezes, ficava os scripts, os textos, e a gente pegava e levava para casa para brincar. E eu nunca tinha visto um script. A gente pegava os textos e brincava de fazer novela. Naquela época era tudo batido na máquina, datilografado”, lembra. Além ver o antes, durante e depois das cenas que passavam na televisão, ele estava perto dos artistas. “Eu lembro que eu meu pai chegamos em casa com um maço de folhas. Eram postais em preto e branco de todos os artistas. O nome deles, o papel que eles representavam e estava autografado. Eu lembro que eu guardei durante anos” diz ela.

Pescador conta que barco foi utilizado durante as gravações da novela (Foto: Mariane Rossi/G1)Pescador conta que barco foi utilizado durante as
gravações da novela (Foto: Mariane Rossi/G1)

O pescador José Aparecido de Souza, mais conhecido como Zé do Biancardi, também participou, de certa forma, das gravações da novela Mulheres de Areia. "Eles pediam para gente fazer manobras no mar, compravam bancas de peixe e pagavam tudo na hora", lembra. Souza conta que a praia ficava lotada de pessoas querendo ver os artistas. Segundo o pescador, o barco dele foi utilizado na cena em que uma das gêmeas caia de uma embarcação. "Eles pediram o meu barco e eu deixei. Era o barco que a Eva Wilma ficava na cena que ela cai do barco. Ela foi sentada, caiu e já tinham várias pessoas segurando ela no mar", contou o pescador, que diz que a embarcação já foi vendida mas tinha as cores vermelho, amarelo e branco.

Na ficção, o personagem Tonho da Lua fazia esculturas de areia em formato de mulher em homenagem à sua amada, a gêmea Ruth. Na verdade, quem esculpia as "Mulheres de Areia" era o ator Serafim Gonzalez, que fazia o papel de Alemão na novela. “Todo dia ele tinha que fazer e não adiantava deixar aqui porque desmanchava. Todo o dia que tinha gravação tinha que fazer. Às vezes mais de uma vez.”, conta Dulcineia.

A novela foi um grande sucesso da TV Tupi e da televisão brasileira na fase preto e branco. A autora Ivani Ribeiro teve até que estender a trama. Mulheres de Areia contou com 253 capítulos, ficando quase um ano no ar. "A gente vê novelas que não emplacaram, que terminaram antes. Essa novela foi ao contrário. Ninguém queria que acabasse”, diz a moradora. Eva Wilma ganhou vários prêmios como melhor atriz por interpretar as irmãs gêmeas, que apareciam ao mesmo tempo na televisão, uma novidade para a época.

Praia dos Sonhos, em Itanhaém, guarda estátua e lembranças da época da gravação da novela. (Foto: Mariane Rossi/G1)Praia dos Sonhos guarda estátua e lembranças da época da gravação da novela. (Foto: Mariane Rossi/G1)

Da ficção para vida real
Após o término da novela, o ator Serafim Gonzalez quis fazer uma homenagem à cidade que acolheu o elenco. Ele esculpiu uma estátua de concreto semelhante a da novela e deu de presente a cidade de Itanhaém, para que as gravações da novela ficassem lembradas para sempre na Praia dos Sonhos. A estátua "Mulheres de Areia" foi fixada em uma das pedras da praia, já recebeu alguns reparos, mas permanece lá até hoje, após 40 anos do término da trama original.

As gravações da novela se tornaram parte da história de Itanhaém. "Mulheres de Areia"  divulgou o nome da cidade, que vive do turismo. A estátua se tornou um ponto de referência muito visitado por todos que vem passar alguns dias nessa cidade do litoral sul. Há placas indicando onde a estátua está localizada, já que é preciso colocar o pé na areia e estar bem perto do mar para apreciá-la. "O interessante é que eu sempre trabalhei no comércio e às vezes passavam os turistas perguntando onde era a praia que tinha a estátua da Eva Vilma. É um ponto de referência.”, diz Dulcineia. Ela também revela que a novela trouxe algumas mudanças na cidade. Segundo ela, a partir da novela que abordou o tema da exploração dos pescadores, foi criado o Sindicato dos Pescadores de Itanhaém. A trama também falou do analfabetismo. A professora Ruth, a gêmea boa, teve a idéia de expandir esse benefício aos pescadores que também quisessem aprender a ler e escrever. Na época, o Governo Federal fazia um imenso alarde por conta do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), que visava erradicar o analfabetismo no país, o que também mobilizou os itanhaenses.

Depois da novela, a praia dos Sonhos também se modificou. As casas simples dos moradores deu lugar a residências mais luxuosas. A marca registrada do lugar ainda está presente, com canoas e barcos, que quando não estão no mar, ficam estacionados no meio da rua. Os pescadores andam pela Praia dos Sonhos para arrumar a rede ou para ficarem apenas conversando, não muito diferente de quarenta anos atrás.

Cena do remake feito pela TV Globo, em 1993 (Foto: CEDOC/TV Globo)Cena do remake feito pela TV Globo, em 1993
(Foto: CEDOC/TV Globo)

Remake
Uma nova versão da novela Mulheres de Areia foi exibida pela TV Globo em 1993. A autora Ivani Ribeiro reescreveu a trama com a com a colaboração de Solange Castro Neves, e se baseou na primeira versão da novela e em O Espantalho, também assinada por Ivani. As cenas da nova versão foram gravadas no Estado do Rio de Janeiro. A novela contou com 201 capítulos e ficou quase oito meses no ar, sendo exibida no horário das 18h.

A atriz Gloria Pires fez o papel das irmãs gêmeas Ruth e Raquel, Guilherme Fontes foi Marcos Assunção e Marcos Frota, o Tonho da Lua. Carlos Zara e Serafim Gonzalez, do elenco original, também atuaram no remake. Serafim Gonzalez, novamente, ficou responsável pelas "Mulheres de areia" esculpidas na praia.

 

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