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Como os criadores da Galinha Pintadinha ficaram milionários

Como os criadores da Galinha Pintadinha ficaram milionários

O estilo próprio dos dois sócios que enriqueceram com a febre da Galinha Pintadinha para cuidar dos negócios e do dinheiro

MARCOS CORONATO E RAFAEL CISCATI
04/10/2013 - 21h09 - Atualizado 11/10/2013 17h09
Capa (home) - Edição 802 (Foto: ÉPOCA)

Antes de faturar milhões meio que sem querer, os amigos Juliano Prado e Marcos Luporini até pensaram em entrar no mercado de trabalho do jeito convencional. Prado estudou administração, e Luporini, publicidade – dois cursos que dificilmente seriam acusados de formar contestadores do mercado de consumo. O discurso de ambos, hoje, não combina em nada com essa formação. “Estamos numa época consumista demais. Dinheiro é só consequência de um trabalho legal e pode até atrapalhar”, diz Luporini. “Tenho alma meio hippie. Fico feliz com o mesmo carro, a mesma bicicleta... Meu luxo é comprar uma máquina fotográfica”, afirma Prado. O discurso surpreende quando se sabe que a dupla criou um dos negócios de maior sucesso do país e fatura milhões vendendo vários produtos. Eles criaram a maior estrela de vídeos na internet do Brasil e da América Latina – a baixinha, gorducha e azulácea Galinha Pintadinha.

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Os que não convivem com crianças pequenas talvez não saibam quem é a tal Galinha, nem tenham ideia do poderio econômico do bichinho. Trata-se de uma personagem infantil, existente na imaginação popular há décadas, que em 2006 ganhou uma representação específica pelas mãos dos dois sócios. Coloca­ram-na em animações básicas, cantando músicas infantis conhecidas e de domínio público, como “Atirei o pau no gato” ou “O sapo não lava o pé”. Hoje, a mascote percorre o país em shows, estampa centenas de produtos, como roupas, fraldas e tablets, e estimula a venda de aplicativos para celular.
 

Movimento empreenda (Foto: ÉPOCA)

Até dezembro, a continuar no ritmo atual, o canal Galinha Pintadinha no YouTube superará a marca de 1 bilhão de acessos. No mundo todo, essa audiência foi alcançada por um grupo restrito de menos de 50 canais (nenhum deles latino-americano), entre cerca de 1 milhão que ganham publicidade no YouTube. Em julho, Prado e Luporini lançaram animações em inglês e espanhol. A versão espanhola registra mais de 200 milhões de acessos. Os sócios planejam fazer um longa-metragem. Estima-se que seu faturamento ultrapasse R$ 20 milhões.

Mesmo ao entrar nessa escala de negócios, Prado e Luporini mantêm o discurso de adeptos de uma filosofia que poderíamos chamar de zen-em­preen­dedorismo. Fazem parte da mais invejável espécie de milionário: os sujeitos tranquilos, com horários flexíveis, que administram o negócio com a mesma serenidade com que pedalam suas bicicletas. À primeira vista, não é fácil entender a estratégia dos dois.

No início, eles queriam tentar ganhar mais algum dinheiro com música e fazer DVDs com personagens infantis variados, a Galinha entre eles. Luporini pensava mais no sucesso de público – que ele chama de “patrimônio intelectual” – do que em como transformá-lo em dinheiro. Prado diz que pensava em conseguir um complemento de renda – “uns R$ 1.500 por mês para cada um”.

JULIANO PRADO (Foto) e marcos luporini (Foto: ÉPOCA)

O sucesso começou por tentativa e erro. Isso depois se revelaria uma importante qualidade no jeito como a dupla faz negócios. Em 2006, colocaram um desenho animado na internet, apenas para mostrar uma das mascotes a um cliente potencial. Havia no forno mais 13 animações, com outros personagens. O negócio não foi fechado. Aquela primeira animação da Galinha, porém, tornou-se um fenômeno. Nos seis meses seguintes, foi vista 500 mil vezes e ganhou comentários simpáticos. Animou-os a dar o passo seguinte.

Ignorando o plano original, a Galinha atropelou todos os outros personagens que Prado e Luporini tinham idealizado. Tornou-se a musa da dupla. Eles mandaram fazer um primeiro lote de 1.000 DVDs, ainda com dúvidas sobre a duração daquele sucesso. Venderam 15 mil unidades só em 2008. No ano passado, o terceiro DVD passou a marca das 400 mil cópias. Quase disputou a liderança de vendas no país com a cantora britânica Adele. Em outra mudança no plano original, a Galinha atropelou também a maior parte dos projetos paralelos que os sócios tinham, em cinema e música. Tornou-se a principal ocupação profissional de ambos. A história impressiona – e oferece lições valiosas a quem pensa em abrir um negócio. 

Os dois sócios acertaram, principalmente, ao abraçar os erros e os imprevistos, sem nunca abrir mão da simplicidade e da flexibilidade. A criação deles não é especialmente original nem educativa. Ao fazer as primeiras animações, não chegaram a pensar numa faixa etária específica a agradar. A Galinha e os outros personagens de sua turma, com cores fortes, movimentos limitados e músicas fáceis de decorar, hipnotizaram crianças com menos de 5 anos de idade. É um público bom, que gosta de repetição e não pede novidades. Mas também delicado, porque depende da decisão dos pais para comprar produtos ou assistir aos vídeos. Nenhum dos dois sócios tinha filhos nessa idade quando veio o sucesso. Desde 2008, perceberam que esse era seu público e o adotaram. Como resultado, crianças e pais lotam os shows, compram os DVDs, procuram os brinquedos e assistem aos vídeos. 

Com a palavra, uma especialista, Isabelly Vital, de 3 anos de idade. Ela fica embevecida ao ver e ouvir a cantoria da personagem nos DVDs e no YouTube. Diante de um questionamento do pai, Cristiano Vital, aos aspectos estéticos da Galinha, Isabelly reage com veemência: “A Galinha é muito ‘munita’!”. E fim de papo.

TRIO Os criadores da Galinha: os publicitários Marcos Luporini (à esq.), de 43 anos, e Juliano Prado (à dir.), de 42, sócios da Bromélia Filminhos, de Campinas, São Paulo (Foto: Divulgação)

Com o crescimento dos últimos cinco anos, a maior fonte de receita da empresa dos dois sócios, a Bromélia Filminhos, passou a ser o licenciamento de produtos. A marca é administrada pela Redibra, que também cuida do licenciamento da Coca-Cola e do cantor Luan Santana. No dia em que recebeu ÉPOCA, Prado avaliava três galinhas marrons de pelúcia. Marrons? A estrela da festa é azul com pintinhas brancas. E tem o acompanhamento de um coro de três outras galinhas: verde, lilás e cor-de-rosa – tudo minuciosamente detalhado num ma­nual de identidade visual. Por que galinhas marrons? “Precisávamos de um teste rápido com materiais diferentes, para experimentar a maciez. Não precisavam vir na cor certa”, diz Prado.

Enquanto Luporini se concentra na produção musical, Prado tem se dedicado mais à administração da marca. Hoje, isso significa tomar decisões como vetar o uso da Galinha em refrigerantes, mas permiti-lo em papel higiênico. Ao mesmo tempo, a dupla defende na Justiça o que considera ser seu direito sobre a personagem. À base de uma guerra de decisões temporárias, o produtor teatral Benedito Maciel (ou Maciel Fama, como ele prefere ser chamado) vem conseguindo fazer shows com uma personagem similar. Ele argumenta que a Galinha Pintadinha pertence à cultura popular e que sua versão da personagem é suficientemente diferente da desenhada por Prado e Luporini. Os dois lados seguem em disputa – e todos seguem lucrando com a popularidade da Galinha. Prado diz que continuará a enfrentar empresários que tentem usar a marca. 

Prado afirma que gosta da profusão de serviços e produtos artesanais inspirados na personagem azul. A Galinha está presente em pintura de unhas, roupinhas costuradas em casa, docinhos e enfeites caseiros de festas infantis. Esses produtos não rendem nenhum direito autoral a Luporini e Prado. Mesmo separadamente, eles falam de forma parecida, e com gosto, dessa produção não autorizada, inspirada em sua personagem. Para a dupla, a distribuição da prosperidade criada pela personagem infantil que os enriqueceu ajuda pequenos produtores artesanais e ainda funciona como divulgação.

A dupla revela grande sabedoria financeira ao explicar os fundamentos de seu zen-empreendedorismo. A estratégia de expansão da empresa se apoiou em parte na personalidade frugal de ambos, em parte nas boas noções de negócios que adquiriram na faculdade. Em primeiro lugar, quando começaram a produzir, não se comprometeram com muitos gastos fixos. Um realizador menos inspirado teria, logo nos primeiros sinais positivos, instalado a empresa num imóvel mais caro, contratado uma equipe maior e comprado mais equipamento.

Prado e Luporini seguiram outro caminho. Fizeram uma versão minimalista do que poderiam oferecer e sondaram o mercado. À medida que o interesse se confirmou, tanto do público quanto de parceiros, eles começaram a investir mais. “Otimismo é uma característica do empreendedor, mas ele precisa temperar isso com realismo ao pensar nas contas”, diz Marcelo Nakagawa, professor da escola de negócios Insper. “São erros comuns subestimar o gasto inicial e o prazo para receber pagamentos.”

Só no ano passado, a Bromélia ganhou sede própria, uma casa despojada num bairro nobre de Campinas. Apenas neste ano ela foi reformada. Mantém o jeitão levemente bagunçado de república estudantil. O núcleo do império Galinha Pintadinha abriga apenas os dois sócios e sete funcionários. “Gosto que a empresa seja enxutinha, como uma banda”, diz Prado. “Assim, mantemos a cultura de start-up.” Ele se refere às empresas iniciantes, aquelas em que é mais fácil encontrar flexibilidade e fervilhamento de ideias, normalmente bem mais raros em companhias maiores. Quando surge uma nova frente de negócios, como peças teatrais ou aplicativos para celular, a dupla da Galinha Pintadinha simplesmente fecha mais uma parceria e deixa que terceiros conduzam a atividade. Eles avaliam, aprovam (ou não) – e sempre ficam com parte do lucro. 

A galinha e seus pintinhos (Foto: Divulgação)