A batalha do Pacaembu foi um marco no Brasil

entrevista

Bernardo Buarque de Holanda

Professor e pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas
Por que a tragédia de Heysel se tornou um marco no futebol mundial?

O ponto capaz de explicar o simbolismo e situar Heysel como divisor de águas foi o televisionamento. Foi uma final de campeonato internacional vista por 400 milhões de telespectadores, e isso gerou um impacto muito grande. Os conflitos anteriores não tinham tido tanta visibilidade e não tinham criado uma consciência nacional e continental. A tragédia iniciou um processo de mudanças profundas nos estádios. Foi criada uma política integrada de policiamento, com cooperação internacional, e os clubes ingleses foram punidos. Todas as medidas foram agrupadas no chamado Relatório Taylor. Nascia um conceito de estádio e de torcedor.

Qual é esse novo conceito?

Antes, os estádios eram retangulares com espaços livres e apenas algumas áreas de contenção. Era a principal opção de lazer da classe operária. O trabalhador ia ao estádio com a família ver os jogos, e todos ficavam de pé. A primeira característica desse novo conceito é a criação de uma nova arquitetura para mitigar os efeitos das multidões, que inviabilizam o conforto e potencializam os confrontos. Após Heysel, todos deveriam assistir aos jogos sentados. Os assentos eliminam toda forma de agrupamento. Além disso, foram adotadas divisões internas entre as torcidas.

Também existia a preocupação com grupos organizados que começaram a agir de maneira premeditada. Esses torcedores radicais, que receberam a etiqueta hooligans, exigiram uma política nacional de combate. Esse policiamento, articulado com o novo conceito de estádio, iniciou um processo de elitização. Para as autoridades, é melhor um estádio de pequeno porte – eles foram reduzidos para um terço de sua capacidade - para um público fidelizado, credenciado e que possui vínculo direto, sem anonimato. Ao comprar um ingresso com lugar marcado, como no teatro, o torcedor passou a ser atomizado e individualizado. Ele perdeu a dimensão da massa. Isso é um projeto, já implementado nos torneios principais. Foi um modelo exportado para o mundo todo, principalmente nos grandes eventos.

No Brasil, existe algum evento comparável a Heysel?

A batalha campal do Pacaembu, em 1995, foi um marco. Era uma final de campeonato, mesmo de juniores, com transmissão pela tevê, com torcedores dispostos ao conflito em um estádio em condições precárias. Além disso, houve grave irresponsabilidade e negligência das autoridades. Uma diferença em relação à Europa, nos anos seguintes, é o uso das armas de fogo, associada, obviamente à explosão urbana e ao contexto social.

Hoje, os estádios são seguros?

Eles melhoraram, mas ainda têm problemas. Neste ano, estamos vivendo problemas que pareciam erradicados, como a invasão de gramado. O problema principal, no entanto, está fora do estádio, pois o raio de ação se dispersou e alcança, por exemplo, as saídas das estações do metrô. Dentro de campo, a situação está controlada. O problema é fora dele. Na Europa, o Leste é a nova fronteira de expansão do hooliganismo. Temos estádios envelhecidos e uma cultura forte de confronto. Além disso, as divisões inferiores do campeonato inglês ainda concentram a presença de torcedores com a premeditação do confronto.

Em sua visão, qual é a solução para o problema das torcidas organizadas?

A repressão tem de ser acompanhada de prevenção e reeducação. É preciso criar um ambiente em que as pessoas percebam que estão diante de um adversário, não de um inimigo. É preciso um processo educativo com a participação do governo e dos clubes. A Alemanha, que se tornou um paradigma dentro e fora de campo, reorganizou os estádios, mas manteve a festa das torcidas. Eles criaram o atrativo da mobilização em torno da festa. Os torcedores não pensam só em brigar. Aqui, os estádios são pouco atraentes – as bandeiras são proibidas – e as pessoas têm pouco engajamento com o espetáculo.