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07/04/2010

Xico Sá - Sapo pula por necessidade, não por boniteza - íntegra da entrevista

Arquivo Pessoal
Xico na redaçao do jornal "O Príncipe", Recife (PE), em 1982.
Xico na redaçao do jornal "O Príncipe", Recife (PE), em 1982.

Complemento ao livro A Vaga é Sua
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Você ganhou reconhecimento, de início, por sua cobertura política nos tempos do Collor. Também nunca deixou de opinar e fazer análises sobre música, que é uma de suas paixões. E já faz tempo que comenta futebol. Você acha que o jornalista deve ser capaz de falar sobre tudo? Ou é melhor se especializar?

A pergunta me faz lembrar uma frase colhida por Guimaraes Rosa nos sertões mineiros: sapo pula por necessidade, não por boniteza. Inicialmente eu era mais voltado à literatura, à música, tinha mais o perfil da gente dos cadernos de variedades. Mas comecei por futebol, em um semanário pernambucano chamado "Tablóide Esportivo"(extinto nos anos 1980) e depois no Jornal do Commercio, acumulando esportes e cobertura policial. Foi bem melhor assim, deparei-me logo com a pauleira, com a velocidade de um jornalismo que não seria possível nos assuntos ditos culturais.

É mais difícil começar jornalista em Recife? Existe verdade na lenda de que as oportunidades fora do eixo São Paulo-Brasília-Rio são mais escassas? O que fazer para driblar? Que dicas daria a alguém que está no interior e vai para uma capital em busca de emprego de jornalista?

No tempo em que iniciei, na segunda metade dos anos 1980, era bem mais difícil lá. Havia praticamente apenas um jornal, o Diário de Pernambuco (o mais antigo em circulação da América latina). O JC passava por uma crise monstruosa, reerguendo-se apenas nos anos 90. A sorte era conseguir uma vaga nas sucursais, que tinham equipes ditas de "elite" e com razoável numero de repórteres -todos os grandes jornais faziam uma cobertura mais nacional. Peguei uma oportunidade de frila na Agencia Estado, cobrindo esportes -inclusive turfe, que era importante na época-, e depois fui contratado para cobrir todas as áreas. Se tem alguma dica para um jornalista curioso é sempre que saia, corra mundo, viaje, tente tudo que for possível, embora, no caso do Recife, hoje se pratique um jornalismo mais rico e interessante do que o da região Sudeste. Vive-se um bom momento por lá, que já se reflete na quantidade de prêmios conquistados pelos cadernos especiais produzidos na região.

Como foi que você começou a trabalhar? Quais foram suas primeiras experiências em jornal?

Fui do interior, Juazeiro do Norte, no Cariri, sul do Ceará, para o Recife, ainda com 16 anos. Comecei a faculdade de jornalismo na UFPE e logo no início, como morava na residência universitária, consegui uma bolsa de estágio na assessoria de comunicação da própria universidade. Daí, via amigos da assessoria, fui trabalhar na redação de jornais de empresas, os chamados house organs, na editora Comunicarte. Em seguida "Tablóide Esportivo", JC, Agencia Estado, sucursal da editora Abril, todos no Recife. De Pernambuco fui convidado para a equipe de Veja em Brasília, quando entro mais para valer -e obrigatoriamente- na política.

Como você se comportava em entrevistas de seleção, quando estava começando? Ficava nervoso, descontraído?

Sempre muito nervoso, errando por tentar impressionar demais. E sempre com um livro debaixo do braço. Alem de ser leitor mesmo, achava que pegava bem, embora fosse bem mais comum todo iniciante andar com literatura nos sovacos. Mas a melhor forma de encontrar uma boa vaga, no meu início de carreira, sempre foi mostrar serviço em qualquer veículo que trabalhasse. Era mais na base dos "olheiros"que te descobriam do que em forma de seleção ou teste.

Passou por algum mico quando era muito inexperiente? Quais eram suas principais dificuldades/lacunas naquela época? O que fez para contorná-las?

Ah, sou do tempo em que foca descia às oficinas em busca da calandra. Todo superior mandava a gente ir falar com alguém e trazer a calandra para a redação, uma missão, como se sabia depois, impossível. Outro mico, este no texto, era poetizar, exageradamente os textos, sempre motivo de chacota dos chefes. A timidez exagerada (lembre-se que se trata de um rapaz vindo do sertão, do interior) também atrapalhava em entrevistas e na falta de "cara de pau" para conseguir driblar barreiras e chegar em alguns personagens. Também quando perdi a timidez, nossa!, até ultrapassei os limites, como uma reportagem sobre a máfia das funerárias do Recife na qual me fiz literalmente de morto, em um hospital da cidade, para revelar o assédio dos chamados "papa-defuntos", os agentes deste tipo de comércio.

Das várias qualidades que um jornalista precisa ter, diga uma que você considera importante ou que fez diferença na sua vida.

Passei a fazer um bom trabalho, com resultados mais eficazes e com maior visibilidade, quando comecei a correr na frente dos pauteiros. Chegava no jornal sempre com uma história para contar, uma proposta de investigação, o que me permitiu, depois de alguns acertos e furos, me livrar do sufoco de várias pautas diárias. Massacrava a chefia com sugestões de reportagens. Com esse tipo de obsessão e teimosia, cheguei aos principais furos, como a revelação do destino de PC Farias, por exemplo, em 1993, na Folha.

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