Distribuição de renda

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Gráfico mostrando a variação da renda na Bolívia durante o governo de Morales por decis. (10%- decil inferior, 90%- decil superior.)

Na economia, distribuição de renda ou distribuição de riqueza é o modo como se processa a repartição da riqueza e dos bens socialmente produzidos, entre os habitantes e entre os diferentes estratos da população de um país ou região.[1]

Um dos temas que mais intriga os economistas é como medir o resultado das atividades econômicas, ou seja, como avaliar corretamente a riqueza que é produzida. A forma mais tradicional de se medir o desempenho da economia de um país é pela análise de seu Produto Interno Bruto - PIB e de seu corolário, a renda per capita - que nada mais é o que o valor do PIB dividido pelo número de habitantes.

O PIB diz qual é a riqueza total de um determinado país. O quociente da divisão do valor do PIB pelo número de habitantes do país dá uma ideia - muito imperfeita - do padrão de vida da população.

Já em 1908 dizia Schumpeter:

''Ninguém dá importância ao pão pela quantidade de pão que existe num país ou no mundo, mas todos medem sua utilidade de acordo com a quantidade disponível para si, e isso, por sua vez, depende da quantidade total.[2]

Um país pode ser muito rico e seus habitantes muito pobres[3]. Ou pode não ser tão rico e seus habitantes desfrutarem de um padrão de vida superior ao de um país que tenha uma renda per capita maior. O que determina essa diferença é o perfil da distribuição de renda, ou seja, como a riqueza total que é produzida no país se distribui entre os habitantes.

Medidas de distribuição de renda[editar | editar código-fonte]

Para medir a distribuição de renda na economia foram criados diversos índices. Dentre os mais conhecidos encontra-se a relação P90/P10, que corresponde à relação entre o valor do limite superior do nono decil[4] (isto é, os 10% das pessoas com maior rendimento) com o do primeiro decil. Esse índice mede quanto o grupo formado pelos 10% mais ricos da população recebe, em comparação ao grupo dos 10% mais pobres.

Outro índice muito conhecido é o coeficiente de Gini, proposto por Corrado Gini em 1912[5], que é baseado na comparação de proporções cumulativas da população com proporções acumuladas da renda que recebem, e varia entre 0 (no caso de perfeita igualdade) e 1 (no caso de perfeita desigualdade).[4]

Alguns índices têm sua origem na sociologia e ajudam a compreender como os habitantes de um país se beneficiam (ou não) da riqueza ali produzida. O principal deles é o Índice de Desenvolvimento Humano - IDH.

O problema da concentração da renda está intimamente associado às questões relacionadas com a pobreza e o desenvolvimento econômico e dele têm se ocupado as organizações multilaterais, independentemente do seu viés ideológico. Estudo publicado pelo FMI em 2015, desmistifica o chamado efeito ou teoria do gotejamento (trickle-down), muito popular nos Estados Unidos e no Reino Unido, durante os governos de Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Segundo essa ideia, quando a camada mais rica da sociedade enriquece, esse enriquecimento acaba por "respingar" nas classes de renda mais baixa, beneficiando toda a sociedade.[6][7]

No Brasil[editar | editar código-fonte]

Grande parte da população brasileira tem rendimentos insuficientes para atender às suas necessidades básicas, e a distribuição de renda no Brasil sempre foi uma das mais desiguais do mundo[8]. A partir de 1998, pode-se observar a primeira queda na concentração de renda, de 0,599 em 1995 para 0,598 em 1998, e o ritmo de queda tem se mantido constante desde então.[9]

Em 2001, o coeficiente de Gini do Brasil era de 0,594[10], melhor apenas que o da Guatemala, Essuatíni, República Centro-Africana, Serra Leoa, Botsuana, Lesoto e Namíbia[8]. A concentração de renda permaneceu praticamente inalterada durante as últimas quatro décadas, com os índices do Brasil oscilando dentre as 10 últimas posições do mundo, dando os primeiros sinais de melhora somente a partir de 2001. Nos últimos anos, o país tem conseguido aliar o crescimento econômico com a redução da desigualdade.

Estatísticas mostram[11] que, a partir do último trimestre de 2002, a distribuição de renda no Brasil começou melhorar lentamente.[10] Em 2004, ocorreu a primeira redução significativa da desigualdade econômica no país: a renda per capita da população mais pobre aumentou 14,1%, enquanto a renda per capita média cresceu 3,6%, no mesmo período.

Contribuiu para essa melhora no quadro de distribuição de renda no país, o maior programa de transferência de renda da história, quando, no governo Lula, os vários programas existentes no governo de Fernando Henrique Cardoso (Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, o Auxílio Gás, Cartão Alimentação e o Auxílio aos Idosos).[12] foram consolidados e consideravelmente ampliados, dando origem ao programa Bolsa-Família. A concessão do benefício é condicionada à frequência escolar dos filhos, o que, no longo prazo, tende a elevar mais significativamente a renda das famílias beneficiárias.

Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) demonstrou que a desigualdade entre os rendimentos dos trabalhadores brasileiros (população economicamente ativa) caiu quase 7% entre o quarto trimestre de 2002 e o primeiro de 2008. Nesse período, o Coeficiente de Gini na renda do trabalho, ou o intervalo entre a média dos 10% mais pobres da população e a média dos 10% mais ricos, caiu de 0,543 para 0,505. "Para um país não ser primitivo, esse índice precisa estar abaixo de 0,45", afirmou o então presidente do Ipea, Márcio Pochmann, em entrevista à BBC Brasil[13].

A alta concentração de renda no topo da pirâmide dificulta a sua medição através dos índices mais comuns como o P90/P10. Isso por causa da anormalidade da distribuição: a metade pobre da população brasileira ganha em soma quase o mesmo valor (12,5% da renda nacional) que os 1% mais ricos (13,3%).[14]

Uma característica peculiar do Brasil seria o fato de a alta carga tributária não estar associada a uma baixa desigualdade de renda. Países como Reino Unido e Espanha, com cargas tributárias semelhantes à brasileira, têm desigualdade de renda consideravelmente menor. Observa-se também, e talvez como fator causal do primeiro problema, que o Brasil não tem sido eficaz em utilizar a tributação para reduzir substancialmente a desigualdade de renda, ou seja, para promover uma efetiva transferência de renda das camadas mais ricas para as mais pobres;[15] na realidade ocorre exatamente o oposto[16].

Gastos sociais[editar | editar código-fonte]

Em 2002, os gastos com aposentadorias e pensões representaram 73% das despesas com transferências monetárias realizadas pelo governo, havendo um perfil regressivo na distribuição, pois a maior parte é apropriada pelas camadas mais favorecidas. Já os programas sociais de transferência simples de renda, com o objetivo de garantir uma renda mínima às famílias mais pobres, representaram apenas 1,5% do total das transferências governamentais.[15]

Quanto aos gastos com educação, grande parte do orçamento se direciona ao ensino superior, havendo poucos recursos para os demais níveis da educação, o que leva a distorções sociais relevantes. Calcula-se que cerca de 46% dos recursos do Governo Central para o ensino superior beneficiam apenas indivíduos que se encontram entre os 10% mais ricos da população. De todo modo, na última década, o acesso ao ensino fundamental no Brasil melhorou e ajudou a reduzir a desigualdade educacional.[15]

Distribuição de renda na cidade de São Paulo[editar | editar código-fonte]

Dados estatísticos oficiais de distribuição de renda no topo da pirâmide de renda no Brasil como um todo não estão disponíveis, mas um estudo, com fins mercadológicos, cruzando dados do IBGE para a cidade de São Paulo, revela que os paulistanos gastam 4 bilhões de reais por ano em produtos de alto luxo. O cruzamento de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constatou que um pequeno grupo de 24 700 paulistanos, que representam 0,24% da população da cidade de São Paulo, residem em domicílios cujo rendimento familiar médio mensal está acima de 50 000 reais. Desses, 7880 têm renda disponível de 1 milhão de reais por ano, e, no topo deste grupo, noventa domicílios paulistanos têm renda de 1 milhão de reais por mês.

Distribuição de renda e justiça fiscal[editar | editar código-fonte]

O cálculo da carga tributária bruta considera tributos diretos (aqueles que incidem sobre a renda e o patrimônio) e por tributos indiretos (aqueles que incidem sobre o consumo). É sabido que a tributação indireta tem características regressivas, isto é, atinge proporcionalmente mais aqueles que têm menor renda, enquanto que a tributação direta tem efeitos mais progressivos, incidindo mais sobre os mais ricos.[16]

O modelo de tributação no Brasil é considerado altamente regressivo e concentrador de renda, pois o peso dos tributos indiretos é muito maior do que o peso dos tributação diretos. Ademais, o grau de progressividade da tributação direta ainda é baixo no Brasil. Em 2008, os 10% mais pobres da população pagavam o equivalente a 32,8% da sua renda, enquanto os 10% mais ricos, pagavam 22,7%. Essa regressividade da estrutura tributária tende a perpetuar a concentração de renda, o que, segundo Marcio Pochmann, é inaceitável num país com acentuada desigualdade de renda, como o Brasil.[16]

Um estudo do IPC-IG,[17][18] que analisou dados de imposto de renda referentes ao período de 2007 a 2013, mostrou que os brasileiros "super-ricos" do topo da pirâmide social somam aproximadamente 71 mil pessoas (0,05% da população adulta), que ganharam, em média, 4,1 milhões de reais em 2013. De acordo com o levantamento, esses brasileiros pagam menos imposto, na proporção de sua renda, que um cidadão de classe média alta. Isso porque cerca de dois terços da renda dos super-ricos está isenta de qualquer incidência tributária, proporção superior a qualquer outra faixa de rendimento. Segundo os autores do estudo, "o resultado é que a alíquota efetiva média paga pelos super ricos chega a apenas 7%, enquanto a média nos estratos intermediários dos declarantes do imposto de renda chega a 12%".

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. SANDRONI, Paulo (org.) Novíssimo dicionário de economia: "Distribuição".
  2. (em inglês) SCHUMPETER Joseph E. On the Concept of Social Value. Quarterly Journal of Economics, volume 23, 1908-9, pp. 213-232.
  3. GARDELS, Nathan. Globalização produz países ricos com pessoas pobres: Para Stiglitz, a receita para fazer esse processo funcionar é usar o chamado "modelo escandinavo" Arquivado em 10 de março de 2007, no Wayback Machine.. Economia & Negócios, O Estado de S. Paulo, 27 de setembro de 2006
  4. a b OECD Factbook 2011-2012: Economic, Environmental and Social Statistics. Production and income. Income inequality and poverty
  5. Gini, Corrado (1912). «Variabilità e mutabilità. Reprinted in Pizetti, E.; Salvemini, T., eds. (1955). Memorie di metodologica statistica. Rome: Libreria Eredi Virgilio Veschi.» 
  6. International Monetary Fund. Strategy, Policy, and Review Department. Causes and Consequences of Income Inequality: A Global Perspective Prepared. Por Era Dabla-Norris, Kalpana Kochhar, Frantisek Ricka, Nujin Suphaphiphat e Evridiki Tsounta (com contribuições de Preya Sharma e Veronique Salins). Junho de 2015.
  7. FMI: 'Aumento da desigualdade reduz crescimento econômico'. Estudo contesta a ideia de que o enriquecimento dos mais ricos contagiaria o resto da sociedade e defende políticas de distribuição de renda para retomar crescimento. Por Marcelo Pellegrini. Carta Maior, 29 de junho de 2015.
  8. a b Desigualdade de renda no Brasil é uma das maiores do mundo. Agência Lusa. In Jornal da Mídia, 7 de setembro de 2005.
  9. Índice de Gini da renda domiciliar per capita - B.9 - 2010
  10. a b Nota Técnica n° 14. Fortaleza: Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE). Fonte: Microdados da PNAD - Cálculos do IPECE, janeiro de 2006.
  11. BILLI, Marcelo. Desde 2001, crescimento favorece pobres. Folha de S. Paulo, 24 de dezembro de 2006.
  12. Temos o maior programa de distribuição de renda. Por Sandra Brasil. Folha de S. Paulo, 6 de outubro de 2001.
  13. Desigualdade entre rendimentos de ricos e pobres cai 7% desde 2002, diz Ipea. Por Carolina Glycerio. BBC Brasil, 23 de junho de 2008
  14. SICSÚ, João; PAULA, Luiz Fernando; e RENAUT, Michel; organizadores. op. cit., p.XXVIII
  15. a b c Ministério da Fazenda – Gasto Social do Governo Central, 2001-2002, Brasília, 2003.
  16. a b c POCHMAN, Márcio. Desigualdade e Justiça Tributária. Brasília: IPEA, 15 de maio de 2008.
  17. Brasil é paraíso tributário para super-ricos, diz estudo de centro da ONU. 31 de março de 2016.
  18. Tributação e distribuição da renda no Brasil: novas evidências a partir das declarações tributárias das pessoas físicas. Por Sérgio Wulff Gobetti e Rodrigo Octávio Orair. Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG). Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2016.

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Ministério da Fazenda – Gasto Social do Governo Central, 2001-2002, Brasília, 2003.
  • M. Pochman, “Gastos Sociais, Distribuição de Renda e Cidadania: uma equação política”, em Econômica, v.5, n. 1 junho 2003
  • Ferreira, F.H.G. “Gasto Social no Brasil: algumas considerações sobre o debate” em Econômica, v.5, n. 1 junho 2003.
  • Hoffmann, R. “Aposentadoria e pensões e a desigualdade da distribiuição da renda no Brasil", em Econômica, v.5, n. 1 junho 2003.
  • Ferreira, F.H.G. e J.M. Camargo “Missing the Target: assessing social expenditures in Brazil” em The Brown Journal of World Affairs, v. VIII., n. 2, winter 2002.
  • Camargo, J.M. “Política Social no Brasil: prioridades erradas e incentivos perversos”. São Paulo em Perspectiva, Fundação SEADE/DIEESE, vol. 18, n. 2, abril-junho 2004;
  • Morley, S. e D. Coady, From Social Assistance to Social Development: targeted education subsidies in developing countries. Center for Global Development, Washington D.C., 2003.


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