Cultura

Morre o ator Jorge Dória, aos 92 anos

Artista estava internado desde o fim de setembro por causa de uma pneumonia e não resistiu a complicações cardiorrespiratórias e renais
Jorge Dória na gravação da novela 'Vira-lata' Foto: Divulgação
Jorge Dória na gravação da novela 'Vira-lata' Foto: Divulgação

RIO - Morreu às 15h05 desta quarta-feira o ator Jorge Dória, aos 92 anos, por complicação cardiorrespiratórias e renais. Recluso há nove anos em decorrência de um derrame cerebral, o artista estava internado no CTI do Hospital Barra D'Or desde o dia 27 de setembro, por conta de uma pneumonia.

Muito emocionada, a viúva Isabel Cristina Gasparin falou ao site de Patricia Kogut :

- Ele foi tudo para mim, eu o amei demais. Ele foi um guerreiro, um cara muito forte, que me ensinou tudo na vida.

De acordo com ela, o velório será na noite desta quarta-feira (6), no Memorial do Carmo, no Caju, no Centro do Rio. A cremação será na quinta-feira, às 16h.

Personagens marcantes na comédia

A veia cômica marcou as atuações de Dória, tanto no teatro - onde teve performance elogiada em "A Gaiola das Loucas" (1974), por "suas composições estudadas no lugar de mera exibição de trejeitos afeminados", nas palavras do crítico Yan Michalski - como na TV. Em emissoras como Tupi e Globo, ele encarnou diversos personagens marcantes, como o primeiro Lineu de "A grande família", sucesso entre 1973 e 75. Na lembrança de amigos e admiradores como o diretor Mauricio Sherman , tinha desde o começo a vocação para se tornar uma espécie de "rei do improviso".

Dória ajudou "A grande família" a se tornar rapidamente um programa popular ao lado de nomes como Eloisa Mafalda, que vivia a Nenê, Osmar Prado, Luiz Armando Queiroz, Djenane Machado e Paulo Araújo.

- Era um programa diferente, todas as cenas se passavam dentro de um ambiente, como se fosse um teatro. É impressionante o heroísmo daquele personagem na sua dificuldade financeira, tendo que carregar a duras penas aquela família, com todos os problemas, morando naquela casa - disse Dória, em depoimento ao "Memória Globo" em 2002 .

O papel no seriado, que depois de cancelado só seria relançado em 2001 com Marco Nanini e Marieta Severo, deu grande projeção a Dória, que se tornou presença constante nas novelas e programas de humor da TV. Entre os seus trabalhos mais marcantes estão o de João Brandão na novela "Champagne" (1983), o milionário golpista Herbert Alvaray de "Brega & chique" (1987), o conselheiro real Vanoli Berval em "Que rei sou eu?" (1989) e o implicante aposentado Emilio Castro em "Meu bem, meu mal" (1990), novela em que formou uma marcante dupla cômica com Zilda Cardoso. Como Emilio, Dória era o inquilino de um apartamento cuja proprietária era Dona Elza, e os dois viviam brigando.

- De todas as novelas em que trabalhei, "Que rei sou eu?" é a que o público lembrava com mais saudades - lembrou Dória na mesma entrevista para a Globo.

Antes do sucesso televisivo, Dória passou pelo teatro e pelo cinema. Estreou na telona em um papel coadjuvante no filme "Mãe" (1948), de Teófilo de Barros Filho. No mesmo ano, participou de "Inconfidência Mineira", de Carmen Santos. A estreia nos palcos foi também nos anos 1940, atuando nas peças da Companhia de Eva Todor e Luis Iglesias.

O casamento de Dória com a arte não tinha mais volta. O carioca de Vila Isabel, que tivera uma educação rígida e cuja família sonhara que ele se tornasse funcionário público, só abraçou a sua verdadeira vocação após a morte do pai. E desde então não parou mais. Sorte dos fãs do trabalho do ator, que em 1951 atuou na comédia "As pernas da herdeira". Ali, Jorge Pires Ferreira já adotara o sobrenome Dória em homenagem ao amigo Leoni Dória Machado, com quem escrevera a peça. O trabalho foi bem-sucedido e ficou cinco anos em cartaz.

Nos anos 1960, destaca-se em "Procura-se uma Rosa", uma peça escrita por Vinicius de Moraes, Pedro Bloch e Gláucio Gill, com direção de Léo Jusi. É a partir da década de 1970, no entanto, que Dória estabelece uma prolífica parceria cênica ao lado do diretor João Bethencourt. Juntos, eles levaram ao palco "Plaza Suíte" (1970), de Neil Simon; "Chicago 1930" (1971), de Ben Hecht e Charles Mac Arthur; "Freud explica, explica" (1973), de Bethencourt, 1973; até o enorme sucesso de "A Gaiola das Loucas" (1974), de Jean Poiret.

Após "O senhor é quem?" (1980), de João Bethencourt, Dória e sua sofisticada veia cômica foram revestidos pelo olhar de Domingos Oliveira. Juntos, mergulharam em clássicos como "Escola de Mulheres" (1984), de Molière; contemporâneos como Arthur Miller, em "A morte do Caixeiro Viajante" (1986); assim como nas criações de Domingos, como "Os prazeres da vida" (1987) e a autorreferente "Os prazeres da vida segundo Jorge Dória".

No cinema, o primeiro grande sucesso veio em 1962, quando interpretou um delegado linha-dura em "Assalto ao trem pagador", de Roberto Faria. O filme representou o Brasil no Festival de Veneza daquele ano e ganhou diversos prêmios no país. Três anos depois, atuou em "O Beijo", filme de Flávio Tambellini, baseado na peça "O beijo no asfalto", de Nelson Rodrigues. Na tela, contracenou com nomes como Reginaldo Faria e Norma Blum.

Sua estreia na televisão foi em 1970, na novela "E nós, aonde vamos?", da extinta TV Tupi. Transferiu-se para a Globo três anos depois. Depois de "A grande família" fez a sua primeira novela na TV em 1975. Ele era o vigarista Ambrósio de "O noviço", adaptação de Mário Lago para a peça de Martins Pena. Voltou à Tupi para atuar em "Aritana", de Ivani Ribeiro. O retorno à Globo seria em 1978 para protagonizar a novela "O pulo do gato". Na trama, ele era o playboy mulherengo Bubby Mariano.

Paralelo aos trabalhos na TV, estrelou a já citada "A Gaiola das Loucas", de Jean Poiret, com adaptação e direção de João Bethencourt. No espetáculo, ele vivia o homossexual George. Outros êxitos nos palcos foram "O avarento", "Escola de mulheres", "A presidenta" e "A morte do caixeiro viajante".

Com o golpe militar, a produção cinematográfica brasileira praticamente paralisou. Veio a era das pornochanchadas e Dória participou de várias: "Como é boa a nossa empregada" (1973), de Victor Di Mello; "Oh, que delícia de patrão!" (1974), de Alberto Pieralise; e "Com as calças na mão" (1975), de Carlos Mossy. Outro sucesso no cinema do qual participou foi "A dama da lotação", de Neville de Almeida.

Na década de 1990, participou de diversas novelas sempre tendo sucesso com seus papéis cômicos. É uma época em que se destacaram personagens como o interesseiro Ângelo Pietro, em "Zazá" (1997), de Lauro César Muniz, e Rodolfo "Ruddy" Reis, em "Era uma vez..." (1998), de Walther Negrão. Em "Suave veneno" (1999), de Aguinaldo Silva, roubou a cena com o carismático Genival, pai do vidente charlatão Uálber (Diogo Vilela).

Sua última novela foi "Malhação", em 2001. Fez ainda participações em programas humorísticos como "Sai de baixo", "Os normais" e "Zorra total", onde fez sucesso no papel de um pai desgostoso com o filho homossexual que sempre repetia o bordão: "Onde foi que eu errei?". No cinema, ainda atuaria em "O homem do ano" (2003), de José Henrique Fonseca. Ao longo da carreira participou de 28 novelas e 22 filmes.