São Paulo, quarta-feira, 21 de março de 2007

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Venda da coleção de Leirner gera protesto

Artistas e curadores se manifestam contra a transferência das obras aos EUA; colecionador diz que procurou a Pinacoteca e os principais museus do Brasil

Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem
Adolpho Leirner , entre móveis do arquiteto Gregori Warchavchik


FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Falta espírito público por parte das instituições brasileiras, em nível federal, estadual e municipal, da elite financeira e do próprio colecionador", diz a historiadora da arte Aracy Amaral, resumindo a expressão de vários artistas e curadores que têm se manifestado, de modo intenso, pela internet, em relação à venda da coleção de arte construtiva brasileira do paulista Adolpho Leirner ao Museum of Fine Arts de Houston (EUA) -noticiada pela Folha no sábado. Amaral foi a editora da publicação "Arte Construtiva no Brasil", sobre a coleção Leirner, em 1998.
"Todos sabemos que o Leirner estava vendendo a coleção; ele ofereceu ao MAM paulista e à Pinacoteca, mas ninguém aqui se preocupa com patrimônio cultural, há uma falta de comprometimento", diz.
De Paris, a curadora Ligia Canongia tem liderado na internet um "protesto cívico" contra o que ela chama de "desastre": "A questão é o descaso público com a cultura. Em qualquer país civilizado do mundo, haveria leis de proteção contra a saída de acervos importantes de sua historia".
No site Canal Contemporâneo (www.canalcontemporaneo.art.br), o caso mereceu vários comentários indignados, entre eles da jovem artista Renata Lucas, que participou da última Bienal. A criadora do site, Patrícia Canetti, escreveu um texto intitulado "Houston, we have a problem/ Houston, nós temos um problema".
Adolpho Leirner diz que já havia colocado sua coleção à venda desde 1993. "Meu sonho era deixá-la no Brasil; conversei com todos os curadores, diretores de museus, a Milú Villela [presidente da diretoria do MAM de São Paulo e do Instituto Itaú Cultural], mas não agüentei mais. Sou a pessoa mais infeliz porque a coleção foi para fora, mas também sou a mais feliz porque ela está em Houston, em boas condições."
O colecionador relativiza os protestos afirmando que "nos últimos quatro anos, 400 obras do mesmo período da coleção saíram do Brasil, o que ninguém diz".
Marcelo Araujo, diretor da Pinacoteca do Estado, confirma ter "realizado gestões para adquirir a coleção". Entretanto, segundo ele, a venda agora concretizada atesta que "nossas elites e nossos governos não conseguem formular um mínimo projeto de formação de acervo para nossos museus".
Felipe Chaimovich, curador do MAM-SP, diz que "de fato a coleção foi oferecida, mas não conseguimos recursos suficientes para comprá-la".
Há quatro anos, segundo a Folha apurou, a colecionadora venezuelana Patricia Cisneros teria oferecido US$ 10 milhões (cerca de R$ 20,8 milhões) pela coleção. Cisneros é a mais importante colecionadora de arte brasileira no exterior e foi responsável, ao lado do curador Paulo Herkenhoff, pela introdução de Hélio Oiticica e Lygia Clark no MoMA (Nova York). Dois galeristas consultados pela Folha, que pediram para não ser identificados, estimam que a venda da coleção tenha ultrapassado US$ 15 milhões (cerca de R$ 31 milhões).
Legalmente, o governo brasileiro não pode fazer nada em relação à negociação. "A legislação do país protege aquilo que é tombado, o que não é o caso dessa coleção, e as obras até o período monárquico", diz Luiz Fernando Almeida, presidente do Iphan (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).


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