Política

Tráfico cobra até R$ 50 mil para candidato fazer campanha

Em Itaboraí, negociação incluiu construção de quadra; milicianos também criaram ‘pedágio’

Pente-fino: fiscais do TRE retiram propaganda ilegal na Favela da Reta Velha
Foto: Leonardo Costa/O Itaboraí
Pente-fino: fiscais do TRE retiram propaganda ilegal na Favela da Reta Velha Foto: Leonardo Costa/O Itaboraí

RIO - Milicianos e traficantes estão cobrando de R$ 30 mil a R$ 50 mil, ou mesmo obras, para que candidatos a prefeito e vereador façam campanha em seus redutos. Pelo menos em sete favelas, dois complexos — Maré e Manguinhos — e quatro conjuntos habitacionais das zonas Oeste e Norte do Rio, além de Itaboraí, Niterói, Belford Roxo, Nova Iguaçu e Duque de Caxias, já há casos, de acordo com levantamento feito junto aos partidos. Ontem, na favela da Reta Velha, onde, de acordo com o juíz da 151ª Zona Eleitoral de Itaboraí, há 19 mil eleitores, foi feita uma megaoperação com fiscais do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ) e policiais civis para retirar material irregular de campanha e prender seis traficantes suspeitos de extorquir dinheiro de candidatos.

Desde que o juiz eleitoral Marcelo Villas esteve na Reta Velha pela primeira vez, há um mês, ele identificou que apenas um candidato a prefeito e cinco a vereador tinham propaganda na localidade. O fato levou a um inquérito na Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo (DH), que corre em segredo de Justiça, para apurar a venda de espaço a candidatos para propaganda. As investigações constataram que os traficantes negociaram, em troca de votos e do livre acesso à favela, a construção de uma quadra poliesportiva na comunidade com emissários que seriam ligados à prefeitura de Itaboraí.

Entre os mais de 20 depoimentos prestados por testemunhas à delegacia sobre o caso, o do proprietário da empresa GCI Estruturas Metálicas — cujo nome está em sigilo —, responsável pela obra, já embargada pelo juiz, é o mais contundente. Segundo o depoimento, ele foi procurado por uma funcionária do município, que lhe propôs a construção da quadra. Em troca, a emissária prometeu beneficiar a empresa dele em licitações, caso o candidato que ela representava fosse eleito. Ele aceitou a “parceria”, comprovada por uma nota fiscal no valor de R$ 27 mil, para a compra de material. À polícia, ele afirmou que foi instruído a dizer que a obra era doação.

Outra evidência no inquérito é a troca de e-mails, rastreados com autorização judicial, entre a empreiteira e o esquema, em que se combina a cotação da obra de forma cifrada. A quadra foi o passaporte para a entrada na área dominada pelo tráfico. Quem não pagou o “pedágio” foi proibido de colocar material de campanha. Até os moradores foram impedidos de manter placas de seus candidatos, e cabos eleitorais proibidos de entrar na favela.

Juiz interdita quadra

Uma testemunha, moradora da Reta Velha, contou, em detalhes, que os traficantes só autorizam a entrada de políticos que aceitem as regras: “os políticos pagam em torno de R$ 30 mil ao chefe do tráfico, e parte do dinheiro é aplicada na própria favela, como a quadra poliesportiva que está sendo construída”. No inquérito, há referências a líderes comunitários. Um deles já foi preso por tráfico.

A ação de ontem foi chefiada por Villas, que percebeu que desta vez os traficantes estavam recortando placas e retirando fotos dos candidatos que não negociaram o espaço.

— Nas quatro incursões, só encontramos placas de um candidato a prefeito e de cinco vereadores. Em outras favelas do município, chegamos a ver propaganda de mais de 50 candidatos. É claro que ninguém doa uma quadra, por isso interditei a obra. Também mandei fechar a associação de moradores — explicou o juiz, que ontem apreendeu uma agenda do tráfico com nomes de políticos: — Foi a última operação, e vencemos a resistência do tráfico.

Segundo o titular da DH, Wellington Vieira, os envolvidos podem responder por abuso de poder político e econômico e captação de votos:

— A polícia vai concluir a investigação e apresentar o relatório final na semana que vem.

A cobrança por parte de traficantes ou milicianos para o livre acesso também ocorre na capital, Baixada e Região Metropolitana. O valor é definido segundo a densidade eleitoral. Em favelas de Manguinhos, a tabela imposta por traficantes vai de R$ 25 mil a R$ 30 mil. Já em áreas da Maré, o acesso e a instalação de placas podem chegar a R$ 50 mil.

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