Cultura

A arte japonesa invade o ocidente

Museus de NY, Paris e Londres destacam a rica produção do país para além da cultura pop dos mangás e animês

Obra de Nakamura Hiroshi: ‘Circular Train A (Telescope Train)’
Foto: Museum of Contemporary Art Tokyo/Divulgação
Obra de Nakamura Hiroshi: ‘Circular Train A (Telescope Train)’ Foto: Museum of Contemporary Art Tokyo/Divulgação

TÓQUIO - Dois dos principais museus de Nova York — o Museu de Arte Moderna (MoMA) e o Guggenheim — se voltaram para os japoneses. Enquanto uma exposição no MoMA explora o impacto cultural da extraordinária transformação pela qual Tóquio passou após a Segunda Guerra Mundial, o Guggenheim se prepara para inaugurar a primeira grande retrospectiva de um dos mais influentes coletivos surgidos no Japão vanguardista, o Gutai Group. Diferentes períodos e estilos da arte japonesa também estão em cartaz na Pinacoteca de Paris e na Royal Academy of Arts de Londres. É uma invasão oriental.

Em Nova York, o cenário é o pós-guerra. “Tokyo 1955-1970: a new avant-garde” (em exibição no MoMa até 25 de fevereiro) reúne 200 obras de 60 artistas. São nomes, das artes plásticas ao cinema, que representam a experimentação que tomou conta da capital japonesa uma década depois de ter sido arrasada pelas bombas americanas. Já o Guggenheim decidiu focar num único grupo, surgido na mesma época, com o Japão ainda marcado pelo trauma de Hiroshima. “Gutai: Splendid Playground”, a partir do próximo dia 15, relembra a trajetória de um movimento que, entre 1954 e 1972, influenciou o Ocidente com instalações e performances radicalmente opostas aos conceitos artísticos tradicionais.

práticas experimentais

Em outubro do ano passado, o Gutai, fundado pelo professor e crítico Jiro Yoshihara sob o slogan “Faça o que ninguém nunca fez”, também foi tema de exposição na Galeria Hauser & Wirth de Nova York. Em Los Angeles, outra galeria cultuada, a Plum & Poe, abriu seu espaço em 2012 para o Mono-ha — mais um grupo japonês que ajudou a moldar a história da arte no pós-guerra, criando esculturas de materiais como pedra, areia e algodão.

O interesse por nomes pouco conhecidos fora do Japão e por criações que fogem à febre da cultura pop dos mangás e animês tem explicação, acredita Alexandra Monroe, uma das curadoras da mostra do Guggenheim:

— É resultado de uma mudança entre museus ocidentais em direção a uma perspectiva mais ampla sobre a história da arte moderna. Entre os países que se envolveram em arte de vanguarda, no seu próprio processo de modernização, o Japão tem a cultura mais avançada para práticas experimentais.

A professora de história da arte Ming Tiampo, também curadora da exposição sobre o Gutai, concorda que o estudo sobre modernismo está mudando, passando a encarar as inovações artísticas japonesas como parte de um contexto global.

— Historiadores estão desafiando a ideia de que o modernismo é um movimento estritamente europeu e americano. Grupos como o Gutai e os neoconcretistas brasileiros estão, finalmente, sendo reconhecidos por seu pioneirismo — diz.

A Pinacoteca de Paris voltou mais longe no tempo, ao século XIX, para examinar a influência japonesa sobre a obra de um gênio. Uma mostra dupla, que pode ser vista até março, compara quadros de Van Gogh e pinturas de Hiroshige, um mestre do ukiyo-e, estilo de gravura desenvolvido no Japão antigo. O pintor holandês buscou nas paisagens orientais referências que ficam muito claras na exposição simultânea.

Na Royal Academy of Arts, em Londres, mais arte japonesa. Mas quem brilha é uma artista contemporânea, nascida num Japão que já mergulhava no desenvolvimento tecnológico. Mariko Mori, de 44 anos, une esculturas, vídeos, fotos, desenhos e som na individual “Rebirth”. Radicada em Nova York, ela embaralha Ocidente e Oriente, cerimônia do chá e cultura cyber, budismo e xintoísmo, ciência e espiritualidade. Apaixonada pelas tradições celtas e pelo universo cósmico, Mariko posou para a imprensa britânica com um vestido que lhe deu ares de princesa de outra galáxia. Ganhou aplausos da crítica.

Artistas japoneses que vêm seduzindo o público fora do país com uma arte pop, como Yayoi Kusama e Takashi Murakami, também ajudam a despertar a curiosidade pelo Japão. A assinatura de Kusama e sua obsessão por bolinhas se espalharam pelo mundo após uma série de exposições e uma parceria com a Louis Vuitton, que fez da senhora de 82 anos um ícone fashion. Murakami, que se inspira em quadrinhos e desenhos animados, é reverenciado como “o Andy Warhol japonês”.

— Kusama e Murakami satisfazem as expectativas ocidentais. Viraram estrelas. Kusama é esquizofrênica, olhos arregalados e peruca verde ou vermelha. Murakami tem o jeito de uma criança descomunal, quase um palhaço. O visual ajudou a fama, e suas impressões reforçam as imagens da arte japonesa — diz, em Tóquio, o crítico Nagoya Satoru.