Limite do jornalista

Abusos não podem restringir atuação da imprensa

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29 de maio de 2009, 17h11

STJ
Ministro Carlos Britto - STJ

Não é pela possibilidade de abuso que se pode restringir a atuação da imprensa. Liberdade de imprensa não tem meio termo. O jornalista é quem deve dizer qual é a sua liberdade de manifestação, a lei não pode dispor sobre isso. A criação artística, científica e jornalística — bens de personalidade — não podem ser limitadas, de acordo com o ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal. Para os casos de abuso, há consequências como indenização, punição, reparação.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, sobre os efeitos e aplicação da decisão da corte de revogar por completo a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), disse também que o direito à imagem, honra, intimidade e privacidade são contrários à liberdade jornalística. “Como a Constituição Federal não pôde atender aos dois senhores, estabeleceu precedência para a liberdade de expressão e de manifestação do pensamento”, concluiu.

Em abril, o Supremo concluiu que a norma não foi recepcionada pela nova ordem democrática estabelecida a partir da Constituição de 1988, já que foi criada, na opinião da maioria, a partir de uma ótica punitiva e cerceadora da liberdade de expressão. Britto foi relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130, que questionou a constitucionalidade da Lei de Imprensa.

Para o ministro, bens de personalidade têm precedência sobre os demais. Ele ressaltou, entretanto, que não é porque a imprensa tem plena liberdade para expor as suas posições que vai deixar de ser responsabilizada por elas. “Não se pode cair no campo da mentira, do achincalhe, da grosseria, da chantagem, do insulto.”

Carlos Britto cita um poema de Bertolt Brecht para ilustrar a liberdade de imprensa:"Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem". As margens são as restrições e as tentativas de regular a imprensa. O que, para o ministro, não pode acontecer de forma alguma.

Imprensa e sociedade
Em seu voto de 111 páginas (clique aqui para ler), o ministro afirma que é necessária uma linha direta entre a imprensa e a sociedade. Para ele, vigora no ordenamento jurídico brasileiro uma forma de interação entre essas duas instituições que não pode passar pela mediação do Estado. “Interação que pré-exclui, portanto, a figura do Estado-ponte em matéria nuclear ou axialmente de imprensa. Tudo sob a ideia-força de que à imprensa incumbe controlar o Estado, e não o contrário”, escreveu.

O ministro reforçou a liberdade de pensamento e de expressão, ao dizer que elas “não podem arredar pé ou sofrer antecipado controle nem mesmo por força do Direito-lei”.

Há um equilíbrio, no entender de Britto, entre a proibição do anonimato, o sigilo da fonte, o livre exercício de qualquer trabalho pela imprensa e, depois, o direito de resposta e a reparação por danos à honra e à imagem das pessoas mencionadas nas reportagens. O ministro observa que o uso da Ação Penal também é cabível.

Durante a leitura do seu voto, no dia 1º de abril, o poeta Carlos Britto comparou a imprensa com a poesia para explicar seus fundamentos. “Cada conteúdo poético é tão importante que exige para si uma forma exclusiva. Não existe uma única forma para todo e qualquer poema”, disse. E arrematou: “Na imprensa, é tudo tão importante, que para cada matéria que a circunda é necessário uma lei”, disse.

O ministro esclarece que não pode haver uma lei orgânica para cuidar das atividades diretamente relacionadas à imprensa. Com a extinção da Lei de Imprensa, esse assunto vira tabu. Para ele, entretanto, é possível criar leis específicas para regular as matérias indiretamente relacionadas à mídia, como direito de resposta, pedidos de indenização, proteção ao sigilo de fonte. O que não é imprescindível.

Carlos Britto afirma que nos países desenvolvidos a regulação de temas relacionados à imprensa são definidos pela jurisprudência, e não através de leis específicas. Segundo o ministro, por lei não é possível prever a proporção do dano. Cada caso é um caso. "Somente o juiz no caso concreto poderá aferir os danos causados e a sua proporcionalidade", disse.

O problema, analisa o ministro, é que o vácuo legislativo criado, "esse período de entressafra mental, de transição",  gera temor da possibilidade de excessos por parte dos juízes de primeiro grau. Carlos Britto lembra que da sentença cabe recurso para os tribunais de segunda instância, para o Superior Tribunal de Justiça e até para o Supremo Tribunal Federal.

ADPF 130

Clique aqui para ler o voto do relator

[Foto: Gervásio Baptista/STF]

[Notícia alterada para acréscimo de informações às 15h26 de 1º de junho de 2009]

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