20/05/2013 08h06 - Atualizado em 20/05/2013 08h06

Fafá lança disco de 'Ave Marias' e diz: 'Fui pregada na cruz várias vezes'

Em entrevista ao G1, cantora afirma que pagou por defender 'liberdade'.
Novo EP tem 'Ave Maria' bossa nova e música do padre Fábio de Melo.

Cauê MuraroDo G1, em São Paulo

A cantora Fafá de Belém em foto usada na capa de seu novo EP, 'Amor e fé', com quatro músicas de temática católica (Foto: Guilherme Licurgo/Divulgação)A cantora Fafá de Belém em foto usada na capa de seu novo EP, 'Amor e fé', com quatro músicas de temática católica (Foto: Guilherme Licurgo/Divulgação)

A cantora Fafá de Belém está lançando uma versão alegadamente bossa nova de “Ave Maria”. Diz que quis promover um encontro entre a composição de Franz Schubert e o ritmo consagrado por João Gilberto porque “adoraria que o papa Francisco ouvisse” a mistura. É o que ela conta em entrevista ao G1, por telefone, para divulgar seu novo EP – são quatro canções ao todo.

Embora o álbum se chame “Amor e fé” e tenha ainda músicas como “Nossa Senhora” (Roberto Carlos / Erasmo Carlos) e “Eu sou de lá”, assinada pelo padre Fábio de Melo, Fafá se recusa a colocá-lo na prateleira de música religiosa. “Porque eu não sou freira, não sou padre e nem sou cantora gospel.” O track list se completa com “Gracias a la vida”, da chilena Violeta Parra. É música associada à luta contra as ditaduras latino-americanas, e Fafá reconhece isso. Na sua visão, contudo, não deixa de ser “uma Ave Maria, entre aspas”.

É antiga a ideia de gravar “o meu disco de Ave Marias”, segunda cantora. Surgiu em 1997, após uma apresentação diante do papa João Paulo II. Fafá descarta, no entanto, que “Amor e fé” tenha “pregação”. Durante a conversa, ela também comentou possíveis semelhanças entre sua foto na capa do EP e a própria Nossa Senhora. “Se você perceber, a gente tirou o photoshop: estão ali minhas rugas, minhas marcas no pescoço, minhas marcas de boca.”

E ela falou sobre o que acha de uma recente polêmica envolvendo David Bowie, que lançou um clipe em que “interpreta” Jesus Cristo e virou alvo de uma organização religiosa conservadora dos Estados Unidos. Leia, a seguir, os principais trechos da conversa.

G1 – Em que prateleira você coloca ‘Amor e fé’? Música religiosa ou música brasileira?
Fafá de Belém –
Brasileira, claro.

Não sou freira, não sou padre e nem sou cantora gospel (risos). Sou uma cantora popular. Em nenhuma das quatro faixas, há uma pregação, em momento algum. Não é essa minha intenção, nem nunca foi."
Fafá de Belém, cantora

G1 – Por quê?
Fafá de Belém –
Porque eu não sou freira, não sou padre e nem sou cantora gospel (risos). Sou uma cantora popular. Em nenhuma das quatro faixas, há uma pregação, em momento algum. Não é essa minha intenção, nem nunca foi. Aliás, já fui pregada na cruz várias vezes, pela minha liberdade e por tomar os rumos que quero na minha vida. Já fui tão crucificada, bicho, que qualquer crítica que venha crucificando mais uma vez, eu estou passando batido, entendeu? Defendo a liberdade em tudo, fundamental, para o crescimento do ser humano. E fundamental também é olhar sobre o outro e deixar que ele seja livre. Não sou pregadora, já fui muito pregada, mas tudo bem (risos).

G1 – Nos shows, de que forma você vai juntar esse novo repertório ao antigo? Agora, há as músicas de teor religioso, e no álbum anterior havia, por exemplo, ‘Sedução’. Como juntar ‘Ave Maria’ e ‘Sedução’?
Fafá de Belém –
E qual o problema? Isso já faz parte do meu show, querido. Eu sou isso. Sou “Sedução”, sou “Filho da Bahia”, sou “Emorio”, sou “Ave Maria”... Canto “Nossa Senhora” desde 1993. Sob o meu ponto de fé, não mexe em nada, sou um ser livre. Um ser livre. A minha fé faz parte da minha vida, como a política faz parte da minha consciência. E a música, pô, é onde me expresso.

Você assiste ao show do Roberto [Carlos], e ele canta “O côncavo e o convexo” e depois “Nossa Senhora”. O preconceito está em quem olha e acha que tudo é segmentado e gueto. Eu não vim no gueto, não nasci no gueto e não gosto de gueto. Somos livres para circular por todos os planetas, por todas as ideias. Nisso, sou muito mais afinada com esse mundo mais contemporâneo, que tem menos preconceito.  Não vejo qualquer diferença em cantar “Bilhete”, que é de um autor popular, em cantar “Sedução”, que é do Milton nascimento, em cantar “Sob medida”, do Chico Buarque, e cantar “Nossa Senhora”.

Fafá de Belém cantou composição que ganhou de presente de aniversário de Fábio de Melo. (Foto: Gil Sóter/G1)Fafá ao lado do padre  Fábio de Melo
(Foto: Gil Sóter/G1)

G1 – Qual a mensagem que você pretende passar com as fotos da capa e da contracapa do EP?
Fafá de Belém – Amor e fé. Se você perceber, a gente tirou o photoshop: estão ali minhas rugas, minhas marcas no pescoço, minhas marcas de boca... O que eu sou? Eu nunca pensei em ser cantora. Canto desde cedo porque minha casa era uma casa de muitos amigos, e eu adorava participar dos assuntos dos mais velhos – uma forma era cantando alguma coisa. Eu era enxerida, estava sempre por ali.

Um dia, Roberto Santana, pai de Lucas [Santana, também músico], me viu cantar e convidou para gravar um disco. Fiquei muito irritada, porque achei que ele estava passando uma cantada – e devia estar, porque ele era muito galinha (risos). Eu tinha 16 anos e falei: “Vá falar com meu pai”. De fato, ele foi falar com meu pai. Aí, gravei “Filho da Bahia”, explodiu, eu tinha 18 anos. E fui caminhando...

Lançamos agora um disco religioso? Não. A religião do artista é a música. A música é possessiva, é ciumenta, ela toma conta, é dona... O que eu quis mostrar nessa foto da capa é uma mulher de 56 anos, uma brasileira que gosta de cantar. Com amor e fé. Atrás são minhas mãos, com um terço que ganhei do Vaticano logo depois que cantei para João Paulo II, e que me acompanha com trilhões de terço que recebo, graças a Deus, pela vida. Eu compro, ganho... Tenho desde terço de semente, feito em Manaus por uma artesã, até cristal, ouro, prata, madeira.

G1 – Mas as fotos do disco têm uma associação com Nossa Senhora, não é?
Fafá de Belém –
Claro! Não, Nossa Senhora, não... Quando a gente faz primeira comunhão, a gente aprende que entre nós e o céu, em oração, tem que haver um véu. Da mesma forma que um judeu cobre a cabeça. Nossa Senhora é a rainha, soberana e única. Sou apenas uma devota, que boto meu véu e pego meu terço quando vou rezar.

Minhas crenças são exatamente as mesmas: liberdade do outro, cantar, ser livre, conhecer o mundo, nunca casar, sempre namorar (risos)."
Fafá de Belém, cantora

G1 – Você chegou a ver o clipe novo do David Bowie, em que ele faz um personagem que lembra Jesus? Causou polêmica.
Fafá de Belém –
Não.

G1 – No vídeo, ele circula entre padres e mulheres seminuas. Uma organização religiosa conservadora dos EUA divulgou uma nota em protesto. O comunicado faz referência ao fato de o Bowie ser bissexual.
Fafá de Belém –
Que horror...

G1 – O que exatamente é um ‘horror’, neste caso?
Fafá de Belém –
É tudo. Primeiro, pelo que você me conta, é uma liga de extrema direita, cerceadora, preconceituosa, que se nomeia porta-voz de Deus. Então, já começa tudo errado, não? (risos). Acho que você tem que tomar cuidado também para não ofender nada nem ninguém. Há dogmas da igreja – e você escolhe ser católico ou não. Não vi o clipe, mas o David Bowie, por natureza, é um cara polêmico, livre, tem leituras sobre muitas coisas. É um direito dele, fazer a leitura que ele quer. Acho que o mais torto de tudo é o preconceito. Você vê que, em todas as religiões, os que mais castigavam eram os mais “tortos”. Hitler, que tinha todas as distorções, culpou todo um povo para matar a culpa dele próprio, por ter nojo de suas [próprias] perversões. Mas não vi o clipe, não posso dizer nada em profundidade. 

G1 – Qual a diferença entre sua crença da época do álbum ‘Crença’, de quase 30 anos atrás, e a sua crença agora, quando você lança ‘Amor e fé’?
Fafá de Belém –
Nenhuma. Quando comecei, há 38 anos, defendia as mesmas coisas que defendo agora. Só que, àquela altura, eu era uma menina. Minhas crenças são exatamente as mesmas: liberdade do outro, cantar, ser livre, conhecer o mundo, nunca casar (risos), sempre namorar (risos). Meus amigos em primeiro lugar, minha família junto. Defenderei as mesmas coisas sempre. Nunca negociei, nunca aderi à moda nenhuma, nunca fiz um plano de metas para vender um milhão de cópias, não é a minha onda. Aliás, não é a onda da nossa geração – eu, Bethânia, Gal, Elba... A gente apenas faz a música de que gosta e em que acredita, por isso está aí há tanto tempo. Ninguém faz chapinha à toa (risos).

G1 – De quem foi a ideia de gravar, em ‘Amor e fé’, uma versão bossa nova da ‘Ave Maria’?
Fafá de Belém –
Foi minha. Eu adoraria que Francisco ouvisse uma Ave Maria em bossa nova (risos).

G1 – Você já cantou para dois papas, certo?
Fafá de Belém –
Fui a única a cantar para dois papas: João Paulo II e Bento XVI. Fui a única cantora no mundo, disso eu me orgulho Porque é um convite do Vaticano. E o primeiro critério foi a pertinência entre a minha ação e o meu discurso. Ou seja, não existe um personagem Fafá de Belém. Nunca incorporei caricaturas, não gosto disso. Se estou de decote, é porque gosto de decote; se dou gargalhada, é a minha gargalhada; a minha fé é minha fé; meu lado popular é meu lado meu popular. Sou uma mulher, mãe solteira, amazônica, não uso da minha vida pessoal para promover ou divulgar nada, nem nunca farei.

G1 – Vai cantar para o papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude?
Fafá de Belém –
Há muita especulação, mas não há um convite oficial. Enquanto não houver um convite oficial, como das outras vezes... A minha vida toda foi consequente, nunca me enfiei em grupos para ser aceita, nunca puxei o saco de ninguém. Tudo que aconteceu na minha vida é decorrência. Se acontecer o convite, todo mundo vai saber. O que existe são especulações, notas plantadas – por mim, não! Se for convidada, vou ficar muito feliz.

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