Assista a trechos de uma apresentação da filarmônica de Berlin em 1942:

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Nas comemorações de dois séculos do nascimento do compositor alemão Richard Wagner, um convidado indesejado está causando constrangimento: o ditador nazista Adolf Hitler. As festividades programadas para julho no tradicional festival de Bayreuth terão a nova encenação do ciclo de quatro óperas “O Anel dos Nibelungos” e estão sendo marcadas por polêmicas devido à persistente associação da obra de Wagner à ideologia do nazismo. Os escândalos começaram no início do mês, quando a casa de espetáculos Deutsche Oper am Rhien, de Dusseldorf, foi obrigada a fazer mudanças na encenação de “Tannhäuser”. A ação, originalmente passada na Idade Média e centrada em mitos germânicos como é comum nos enredos wagnerianos, foi transposta para a Segunda Guerra Mundial e mostra judeus sendo fuzilados e mortos em câmaras de gás.

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CHOQUE
A ópera “Tannhäuser”, de Richard Wagner, adaptada
a cenas de fuzilamento e câmaras de gás: repúdio

Numa cena extremamente forte, o protagonista, usando uma suástica no antebraço, alveja um inimigo na cabeça. A plateia se revoltou, pessoas presentes precisaram ser medicadas e no dia seguinte a embaixada de Israel na Alemanha se manifestou contra o ocorrido. Alegando liberdade de expressão, o diretor Buckhard C. Kosminski recusou-se a fazer mudanças no seu trabalho. Mas a direção do teatro tomou medidas radicais e cortou do espetáculo toda a cenografia e encenação, deixando-o reduzido a um concerto “musical”: “Causou extrema preocupação o fato de certas cenas, especialmente a de um fuzilamento, ter provocado tanto stress na plateia. Após toda a controvérsia, chegamos à conclusão de que nada justifica tal efeito sobre o nosso trabalho”, postou a instituição em sua página na internet.
O fantasma do nazismo na obra de Wagner é um tema recorrente na cultura alemã desde o pós-guerra, mas a polêmica atual desafinou coro e orquestra por acontecer numa data especial – os 200 anos de nascimento comemorados na terça-feira 22. Essa associação vem contaminando a obra wagneriana, vista pelos israelenses como a “trilha sonora do holocausto”. De um lado, há os pensamentos conservadores do próprio compositor (que, aliás, morreu em 1883, antes de Hitler ter nascido). Antissemita declarado, ele criou inúmeros personagens negativos associados aos judeus: Alberich (“O Anel dos Nibelungos” ), Hagen (“O Crepúsculo dos Deuses”), Beckmesser (“Os Mestres Cantores de Nuremberg”) e o par Kundry e Klingsor (“Parsifal”). Rival de compositores que julgava medíocres como Felix Mendelssohn e Giacomo Meyerbeer, de origem judia, Wagner generalizou sua crítica no livro “O Judaísmo na Música”. Escreveu: “O judaísmo é a consciência diabólica de nossa moderna civilização.” Tudo isso impressionou o jovem Adolf Hitler, que, segundo alguns historiadores, se decidiu pela carreira política ao assistir por mais de 40 vezes à ópera “Rienzi”, sobre a trajetória de um rebelde romano. Quando Hitler esteve preso por liderar um golpe de Estado, quem lhe fornecia lápis e papel para escrever “Minha Luta” foi Winifried Wagner, mulher de Siegfried, filho do compositor erudito: ela selou a ligação entre o nazismo e o festival de Bayreuth, que acontece no teatro mandado construir pelo próprio Wagner, o Festspilhaus.

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VAIAS
O barítono russo Evgeny Nikitin foi demitido de "O Holandês Voador":
símbolos antissemitas no peito, hoje apagados

Primeiro brasileiro a encenar o ciclo de “O Anel dos Nibelungos” no País, o diretor cênico André Heller-Lopes (que estreia em julho “A Valquíria” no Theatro Municipal do Rio de Janeiro e em novembro “O Ouro do Reno” no Theatro Municipal de São Paulo) acha que é imprescindível separar a obra do compositor da apropriação que o nazismo fez dela. “Seu antissemitismo é histórico e suas ideias nacionalistas foram usadas pelos nazistas porque eram interessantes naquele momento em que a Alemanha estava no fundo do poço”, diz Heller-Lopes. A controvérsia, aliás, começou no ano passado, quando a organização do festival de Bayreuth­ despediu o barítono russo Evgeny Nikitin a quatro dias da estreia de “O Holandês Voador”: ele teria usado na juventude tatuagens de runas e suásticas no peito. Mais polêmica à vista: em julho, o ousado diretor Frank Castorf vai mostrar a sua versão de “O Anel dos Nibelungos” em que o “Ouro do Reno” será trocado pelo petróleo.

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Fotos: Hanfstaeng; HansJoerg Michel / AP Photo e reprodução