11/03/2013 20h27 - Atualizado em 11/03/2013 21h37

Artista plástico retoma famoso grafite da década de 70 em Salvador

Miguel Cordeiro estampou frases do personagem fictício de 1979 a 1985.
Em fevereiro deste ano, 'Faustino' voltou às ruas para contar o cotidiano.

Tatiana Maria DouradoDo G1 BA

Faustino, Salvador, Bahia (Foto: Tatiana Maria Dourado/G1)Faustino aparece em um dos muros da Av. Adhemar de Barros, em Ondina (Foto: Tatiana Maria Dourado/G1)

Alguns muros de Salvador voltaram a estampar frases grafitadas em preto que abordam fatos da vida de um sujeito: Faustino. O personagem fictício foi criado por Miguel Cordeiro no último ano da década de 1970, tempo de ditadura em que a cidade ainda se ambientava com estas primeiras artes de rua a partir dos traços de artistas como Mancha, Madame Min, Ho ou Baldeação. Após 28 anos de sumiço público, Faustino deixou o silêncio e saiu por aí relatando o cotidiano. Ele agora estuda para concurso de auditor fiscal, controla uma rede de baleiro de ônibus, nada cachorrinho, já atropelou um pitzzeiro e tem mania de atrasar no caixa eletrônico.

Foram cerca de dez frases pichadas em uma das noites do mês de fevereiro deste ano. Miguel Cordeiro, o criador, não sabe precisamente o nome de todas as ruas, lembra dos bairros: Barra, Brotas, Canela, Jardim de Alah, Boca do Rio, Ondina, cita. "Não foram frases que eu bolei em janeiro de 2013, são observações que fiz ao longo do início da concepção. Em 1999, comprei a lata, mas não saí. Em 2004 e em 2008, pensei. Se eu grafitei mais de 150 frases, por volta de 100 na primeira fase, eu acumulo um grande volume hoje. Dele, eu selecionei 10 agora", conta o artista plástico veterano e blogueiro desde 2006.

Faustino, Salvador, Bahia (Foto: Tatiana Maria Dourado/G1)Perto do Porto da Barra, em Salvador, o personagem também se expressa (Foto: Tatiana Maria Dourado/G1)

Faustino pode ser um rapaz de classe média, crítico a estereótipos, que compartilha os hábitos e dilemas de uma grande cidade. Mais simples do que sofisticado, o personagem se reveste como trabalhador ou estudante, jovem ou adulto, sem delinear limites. "Ele possibilita várias leituras. O Faustino é um homem, o ser humano, com anseios, angústias, as felicidades, as descobertas e as observações. É aquele momento", afirma Miguel Cordeiro.

De 1979 a 1985, frases como "Faustino veste camisa-volta-ao-mundo", "Faustino usa escovinha pata-pata", "Faustino tem um parente em Itapetinga", "Faustino canta no coral da empresa", "Faustino faz as unhas", "Faustino coleciona flâmulas" ou "Faustino mora com a tia", para elencar alguns exemplos, chamaram atenção como expressão da cidade.

Faustino, Salvador, Bahia (Foto: Miguel Cordeiro/G1 Bahia)Uma das pichações de 2013 espalhadas por
Salvador (Foto: Miguel Cordeiro/Arquivo Pessoal)

Uma das motivações que fez Miguel Cordeiro retomar o personagem é mostrar que ele não está preso àqueles tempos antigos. Ao mesmo tempo, o artista quer fomentar a memória da história urbana para a nova geração.

"Quando se falava sobre o grafite, as pessoas falavam do Faustino como uma coisa de passado. Mas, na verdade, a alma de Faustino continua. Quem mais vibra é a nova geração, o que prova que ele é atemporal. Como se o ser humano chegasse a um patamar quando certos anseios, costumes, não mais existissem, sendo que a alma humana é eterna. Fiquei 28 anos sem fazer, em espaço de tempo enorme, e sem ser nostálgico, pegando a nova geração e a instigando a refletir. É um prazer incomensurável, que não tem valor", conta.

Faustino, como o pai da obra, é avesso ao que se prega sobre a ideia de baianidade. "Eu faço um grafite rock and roll, não essa celebração de Bahia, Faustino não tem nada a ver com isso", afirma o artista após dizer que acha "esquisito" pintar os muros durante o dia. O personagem também não tem rosto, corpo ou identidade pré-definidos, o que cabe à imaginação do receptor.

"Ele se expressa através de frases, isso é bacana porque faz com que cada transeunte crie a sua imagem daquilo. É uma obra aberta. A pessoa que tem mais informação cultural, interpreta de um modo o personagem e as situações que ele levanta; as pessoas mais simples, interpreta de uma forma diferente. Acho isso o grande barato. Ele se expressa de maneira muito clara e simples, o que abre essa possibilidade de várias leituras", relata Miguel .

Faustino, Salvador, Bahia (Foto: Tatiana Maria Dourado/G1)O grafite também está na Ladeira da Barra, próximo à Igreja de Santo Antônio (Foto: Tatiana Dourado/G1)
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