Cultura

Iole de Freitas investiga a dança das formas em esculturas

Com exposição que reúne fotos dos anos 1970 e obras de 2013, artista mineira revê trajetória de 40 anos, consagrada por explorar movimento, tensão e leveza em grandes instalações

Uma das cinco esculturas de 2013 que a artista criou para a mostra na galeria Silvia Cintra + Box 4
Foto: Divulgação
Uma das cinco esculturas de 2013 que a artista criou para a mostra na galeria Silvia Cintra + Box 4 Foto: Divulgação

RIO - “Não, não, não. Não vai tirar a obra da parede a um dia da abertura da exposição”, dizia Iole de Freitas à galerista Silvia Cintra, na última terça-feira, quando a marchande lhe avisava que uma colecionadora queria testar uma de suas esculturas em casa antes de fechar a compra.

— Não vai acontecer nada, somos cuidadosos, não precisa ficar nervosa — repetia Cintra.

Iole seguiu firme (“Fico nervosa, sim, porque sei o trabalho que me dá fazer essas obras”). Assim, a escultura, uma das cinco que criou para a mostra que a galeria Silvia Cintra + Box 4 abre nesta quinta-feira, às 19h, para convidados, não foi retirada da parede. A colecionadora terá de esperar. O rigor, afinal, explica (em parte) o fato de a mineira ter uma das trajetórias mais coerentes da história da arte brasileira.

Somado a ele, está uma investigação obstinada do movimento, que começou nos anos 1970, com filmes experimentais e performances, e segue no foco da artista ainda hoje, em esculturas de grande escala, como a que expõe atualmente na Casa Daros, ou em tamanhos menores, feito as que preparou para essa exposição.

A mostra, embora pequena, tornou-se mote para Iole, 67 anos, rever a própria trajetória. Estão lá esculturas de 2013 e fotografias extraídas de um de seus primeiros trabalhos, o filme “Light work” (1972).

Nele, o corpo da artista ainda se faz presente — Iole, que foi dançarina dos 6 aos 25 anos, experimentou inicialmente a performance quando vivia na Itália e em Nova York.

— O momento inicial da minha estruturação de linguagem vem da imagem em movimento. E havia nesse período um batalhão de choque de artistas que, com muita vitalidade, dava entrada em mídias como o vídeo, a body art ...

Num segundo momento, ela completa, “a corporeidade migra da artista para a obra”. No início dos anos 1980, então, ela começa a torcer arames e placas de policarbonato, faz dançar linhas e planos em esculturas não tão grandes que, nos anos 1990, têm a escala muito expandida.

São desse tempo obras como a imensa “Dora Maar na piscina”, de 1999, no Museu do Açude — a peça foi soterrada após intensa chuva, e a artista criou novo (e grande) trabalho para o local. Em 2007, a grandiosidade de suas obras foi reconhecida pela Documenta de Kassel, que lhe cedeu quase um prédio inteiro para uma escultura, que transbordava pelas janelas.

Agora, na galeria carioca, ela mantém movimento, tensão e leveza (herança da vida de dançarina e dos filmes dos anos 1970), mas se aventura numa escala menor.

Arte para ter em casa

A artista diz que essa exposição foi pensada “numa escala para que os colecionadores tenham as obras em casa”. Não seria uma rendição da produção ao mercado?

— Não. Eu só faço porque quero — diz, enfática. — Quero que esses trabalhos habitem a casa das pessoas ( há esculturas de até R$ 150 mil ). A escala enorme me deixa mais à vontade. É da natureza do meu trabalho ser grande e vejo a escala menor quase como uma adversidade, mas nunca como uma limitação. Para mim, estão aqui questões que me são caras há muito tempo: a corporeidade, a relação com o espaço, a fluidez.

Nas cinco obras da mostra, Iole trabalha tanto o movimento a partir da linha, quanto a partir do plano. Em duas esculturas (da série “Estudos para superfície e linha”), explica, a linha metálica é torcida e tem acomodadas as placas de policarbonato (dobradas a frio e a custo de muito cálculo). Nas demais, o público verá apenas a placa. São como o corpo da escultura, que parece dançar, leve e fluido, na parede.