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Ex-CEO do São Paulo revela plano ignorado por clube para evitar prejuízo de R$ 136 mi

Ex-CEO do São Paulo revela plano ignorado por clube para evitar prejuízo de R$ 136 mi

Executivo detalha planejamento que montou para cobrir rombo nas contas do time, descartado por presidente antes de demissão

RODRIGO CAPELO
16/09/2015 - 14h01 - Atualizado 16/09/2015 18h07
Alexandre Bourgeois, ex-CEO do São Paulo (Foto: Reprodução / Facebook)

Alexandre Bourgeois ficou mais conhecido pelo torcedor depois que Época NEGÓCIOS, com o perfil "O homem que quer mudar o jogo", publicou em maio deste ano a intenção do executivos de bancos de profissionalizar o futebol brasileiro por meio do uso de dados e estatísticas. Um mês depois, em junho, indicado pelo fanático são-paulino Abilio Diniz, foi contratado pelo São Paulo para ser CEO, um cargo ainda raro em clubes daqui. Não conseguiu ficar nele nem três meses. Foi mandado embora pelo presidente, Carlos Miguel Aidar, na última quinta-feira (10). O clube alega que o executivo que queria mudar o jogo deu resultados "pífios". A versão dele é diferente.

O matemático, nascido em Paris, formado na Suíça, com carreira em bancos da Inglaterra e dos Estados Unidos e no Teisa, fundo de investimento em atletas ligado ao Santos, trabalhou por três meses em um plano de gestão para o São Paulo. A apresentação de 46 slides foi enviada a ÉPOCA. A reestruturação do clube, se tivesse tido sucesso, seria profunda. Mudaria o organograma, criaria um Conselho de Administração presidido por Aidar, tiraria vices não remunerados do dia a dia e os colocaria em comitês. Executivos remunerados seriam contratados para áreas como futebol e marketing, metas seriam impostas e cobradas, despesas seriam cortadas. O objetivo principal seria fazer com que o clube amenizasse o prejuízo de R$ 136 milhões que Bourgeois calcula para o São Paulo em 2015 e fechasse a temporada de 2016 com R$ 6 milhões positivos.

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A torcida talvez não fosse gostar do que o ex-CEO propunha. Para economizar R$ 44 milhões, uma das medidas pensadas era não renovar contrato com os três salários mais caros: Rogério Ceni, Luís Fabiano e Alexandre Pato. O goleiro, prestes a se aposentar, não seria um grande problema. Com os dois atacantes, a história não seria tão fácil. "Eu queria mostrar a realidade. Se quisessem fazer loucura, a caneta seria do presidente. Mas tenho a obrigação de mostrar a realidade", diz Bourgeois em entrevista a ÉPOCA. O plano era chegar a 2017, quando a maioria dos contratos com atletas já teria sido renovada ou descartada, com 30 jogadores e R$ 75 milhões em gastos anuais com jogadores. Mas ele nem chegou à torcida.

Aidar descartou o trabalho de Bourgeois. No início deste mês, em uma sexta-feira (4), o presidente apresentou à imprensa o "Pró São Paulo", plano de profissionalização feito em paralelo ao do executivo que, basicamente, insere diretores remunerados na hierarquia entre vices-presidentes e gerentes de cada área. Bourgeois estava na plateia e assistiu ao chefe dizer que "jamais se tornaria em uma rainha da Inglaterra" – muito importante, mas sem poder de decisão. Era um cutucão no CEO que seria demitido na semana seguinte.

A demissão do matemático acirrou conflitos políticos no São Paulo. Abilio Diniz afirmou publicamente que não acredita nas razões de Aidar para dispensar o CEO e ofereceu pagar a auditoria das contas do time por uma das quatro maiores do ramo. Bourgeois foi ao programa Seleção Sportv falar do que viveu nos três meses de São Paulo, contou ter sido ameaçado pelo assessor de imprensa de Aidar na reunião da demissão, ouviu ser lida, no ar, nota oficial enviada pelo clube com razões de sua demissão – de vazamento de informações a desempenho pífio, de uso inapropriado de material de terceiros a perfil profissional incompatível. A briga virou pública.

Bourgeois, nesta quarta-feira (16), aprofunda em entrevista a ÉPOCA o plano de gestão montado por ele e ignorado por Aidar.

Época EC: Como sua proposta de remodelar a gestão do São Paulo foi feita? Quem a elaborou? Quem foi consultado por você para obter informações sobre o clube?
Alexandre Bourgeois:
Me ajudaram José Rubens Arantes e Rafael Botelho. O primeiro tem muita experiência na área financeira. O segundo, em futebol. A ideia foi fazer o plano ideal, não o possível, porque se pensarmos só no possível não fazemos nada. Montamos o que chamamos de base zero. Aonde quero chegar? Preciso faturar R$ 50 milhões, mas como faço para faturar R$ 50 milhões? Unimos experiências, conhecimentos, exemplos de clubes daqui e da Europa. Não é o primeiro plano que faço na vida. Já fiz inúmeros, alguns maiores, outros muito mais complexos. Dividimos em unidades de negócio: futebol, marketing e estádio. Dentro disso, elaboramos o que achávamos ideal. Pegamos a experiência do Instituto Áquila de um ano dentro do São Paulo. Conversamos com eles para que fizessem uma crítica construtiva do nosso plano e para bater os números.

EEC: Vocês conferiram os números com o Áquila? Eles validaram tudo o que você expõe?
Bourgeois:
Claro. Dívidas, receitas, gastos. O Áquila não elaborou um plano de ação porque não era função deles. Eles concordaram com absolutamente tudo.

EEC: No organograma que você propôs, o São Paulo teria um Conselho de Administração presidido por Carlos Miguel Aidar. Ele disse em coletiva de imprensa que nunca toparia uma estrutura na qual fosse a rainha da Inglaterra. Ele seria mesmo a rainha?
Bourgeois:
Nunca quis que ele fosse a rainha da Inglaterra. Só vira quem quer. Como um presidente eleito, com caneta e cadeira, viraria? O que sugeri foi colocar profissionais para cuidar de áreas estratégicas do clube, com independência para agir, que fossem cobrados, que cumprissem metas, e afastar os vices-presidentes do dia a dia do clube para colocá-los em comitês. Como em qualquer empresa. Haveria um comitê de marketing, um de futebol, um jurídico... Eles não são remunerados, passam só algumas horas no clube, mas ficariam nos comitês para cobrar, sugerir, validar. Como em qualquer empresa, meu Deus. O Conselho de Administração seria presidido pelo atual presidente. Ele achou que seria a Rainha da Inglaterra. O Abílio Diniz é presidente do Conselho de Administração da BRF. Ele não é CEO, mas manda. O Abilio é a rainha da Inglaterra na BRF?

Organograma proposto por Alexandre Bourgeois, ex-CEO, para o São Paulo (Foto: Reprodução)

EEC: No seu plano, o orçamento seria feito para três temporadas, de 2016 a 2018. O orçamento atual é anual, certo? Como o orçamento é trabalhado no São Paulo?
Bourgeois:
O orçamento anual é um chute. Se fez R$ 100 milhões de receita, eles põem que vai fazer R$ 110 milhões no ano que vem. O orçamento precisa ser pelo menos trienal. Os responsáveis tinham que se isolar, se juntar e discutir nos mínimos detalhes. Hoje eles colocam renda com semifinal de Libertadores sem saber se chegarão lá. Contar com expectativa de resultado em campeonato de futebol é uma loucura. Não pode.

EEC: Como a previsão de R$ 136 milhões de déficit foi calculada?
Bourgeois:
É toda a despesa corrente menos a arrecadação. Não conta venda de atletas, que pode diminuir o déficit. É simplesmente caixa. Esse é o resultado. É para mostrar que, se nada for feito, a tendência de 2015 naquele momento de elaboração do plano, 24 de agosto, é esta.

EEC: Depois havia previsões de receitas para 2016 que fechariam a conta e fariam o clube ter superávit de R$ 6 milhões. Nela há R$ 30 milhões a mais de televisão, número seguro de prever pois o contrato já está assinado. E há R$ 30 milhões de novos patrocínios. É possível projetar este valor com segurança? O mercado do futebol sofre influências externas.
Bourgeois:
A cada número, nós mostramos como chegar. No caso dos patrocínios, damos a meta e dizemos que o executivo contratado vai para a rua se não fechar. Nós pensamos em criar uma área de branding [processo de formação de marca] para estudar tudo o que a marca do São Paulo representa, tentar associá-la a outras marcas, dizer que tal marca tem tudo a ver com a do São Paulo. Esta área iria dizer de maneira clara todo o retorno de mídia que empresas teriam ao se associar à camisa do São Paulo. O clube precisa de um cara de branding para determinar essa estratégia. Não é só dizer que futebol é varejo. Temos que estudar.

Como Alexandre Bourgeois, ex-CEO do São Paulo, pretendia acabar com o prejuízo do clube (Foto: Reprodução)

EEC: Este plano de ação reestruturaria profundamente o marketing. Ele descartaria todo o trabalho que o atual vice, Douglas Schwartzmann, tem feito desde que assumiu a pasta?
Bourgeois:
Não descartaria, não. A ideia era fazer com que ele tivesse melhor condição para trabalhar, porque ele tem orçamento zero. A ideia era sentar com ele e ver o que pode ser feito de diferente, contratar um executivo da área para tocar 24 horas por dia. Ele já tem um projeto de marketing, iria me apresentar, mas minha demissão acabou impedindo.

EEC: O plano, na parte do marketing, fala em identificar o custo do sócio-torcedor. O São Paulo não sabe o custo?
Bourgeois:
Ninguém sabe. O financeiro deveria saber e não sabe. O Áquila não sabe. O que quero dizer é que o clube precisa saber se os planos que fez são condizentes com o produto que está entregando. Se cobra R$ 19 e entrega experiências que custam R$ 19. Tem que demonstrar financeiramente. Pode até decidir que vai subsidiar tal plano, mas tem que saber qual e quanto. Se tem um plano de R$ 19 que fica acima do custo para o São Paulo, mas se paga com um plano de R$ 49 que vai bem, está certo. Precisa pontuar de maneira precisa.

EEC: O mesmo estava previsto para licenciamentos. Repito: o São Paulo não tem controle sobre os contratos de licenciamentos que assina?
Bourgeois:
Muita gente reclamava lá que não há gestão de contratos. Não se sabe quando eles começam e quando terminam. Ninguém acompanha. É preciso ter acompanhamento claro dos licenciamentos. O fornecedor diz que vendeu 5 mil canetas, mas vendeu mesmo? Ou vendeu 20 mil? Sobre as escolinhas, eu ouvi que muitas não eram oficiais. Era preciso saber como elas estavam pagando, qual a estratégia para expandir. Preciso prever tudo isso no plano.

EEC: Você perguntou aos dirigentes do São Paulo sobre esses problemas?
Bourgeois:
Alguém dizia que o assunto estava sendo resolvido, mas eu queria saber como. Sempre que perguntava, dizia que estava acontecendo, que estava tudo certo.

EEC: Na limitação de despesas que cortaria R$ 44 milhões em gastos, você propôs não renovar os contratos dos TOP 3. Quem são?
Bourgeois:
Rogério Ceni, Luís Fabiano e Alexandre Pato.

EEC: O Rogério está próximo da aposentadoria. Mesmo assim, não seria difícil demais convencer presidente, conselheiro, torcida...
Bourgeois:
Eles querem estender Luís, contratar Pato. Eu queria mostrar a realidade. Se quisessem fazer loucura, a caneta seria do presidente. Mas tenho a obrigação de mostrar a realidade.

EEC: Como se diminui gastos com jogadores, se contratos estão assinados e vários são longos?
Bourgeois:
Eu falava em reduzir salários de atletas B, que não são usados mas fazem parte do elenco. É conversar com o empresário e dizer que o atleta vai virar pó se não renegociar. O contrato pode ir até o fim, se não quiser diminuir, mas fica ruim para o atleta em relação ao mercado depois que ele terminar. E existe uma redução natural. A ideia era chegar a 2017 com um quadro ideal. 30 atletas no elenco, com 25 profissionais e cinco da base. R$ 59 milhões gastos em salários e direitos de imagem e R$ 16 milhões com remunerações variáveis. Teria um time extremamente competitivo e faixas de salários para jogadores.

EEC: Mas dá para ter time competitivo com gastos menores?
Bourgeois:
O Atlético-PR gasta muito menos que o São Paulo e disputa em condição de igualdade o G4. Eles têm um uso mais eficiente do dinheiro. Se eles conseguem, por que a gente não consegue? Tem que ter inteligência. No Campeonato Brasileiro, os que mais gastam não são campeões. Tem alguma coisa errada na eficiência.

Como Alexandre Bourgeois queria estruturar o time de futebol do São Paulo até 2017 (Foto: Reprodução)

EEC: Você previu no plano de ação a reestruturação da dívida. Como isso seria feito?
Bourgeois:
Renegociação com bancos, alongamento da dívida, redução das taxas de juros. O São Paulo precisa mudar o perfil da dívida.

EEC: O São Paulo tinha R$ 150 milhões em dívidas bancárias em dezembro de 2014, um tipo de endividamento perigoso por causa dos altos juros cobrados pelos bancos.
Bourgeois:
Hoje tem mais. Chega a R$ 180 milhões. Os clubes que quebraram na Europa quebraram por dívida bancária, não fiscal.

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EEC: Você queria implantar no São Paulo um fundo de investimentos, um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). A Fifa proibiu que terceiros participem dos direitos econômicos de atletas em 1º de maio. Que modelo você propunha para driblar esta proibição?
Bourgeois:
Eu trabalhava na Teisa [fundo de investimento em atletas que trabalhou com o Santos], e em 23 de dezembro de 2014 a Fifa anunciou o banimento. Com a minha experiência em mercado financeiro, quis pensar em um negócio que envolvesse bancos e que não ferisse a regra da Fifa. Sentei com o Bichara [Abidão Neto] e com o [Marcos] Motta, advogados, e discutimos. Sentei com o Infinity Asset Management, mostrei o produto. Tudo isso muito longe do São Paulo. Chegamos a um produto mercadológico para vender aos clubes. Tive uma longa discussão no Palmeiras, você pode checar. Levei a proposta para o São Paulo. É um produto que funciona. O FIDC é do clube, e o clube faz o seguinte: constitui na CVM [Comissão de Valores Mobiliários] e coloca como parte do ativo os jogadores que detém. A partir disso, vende cotas para investidores para que tenham parte desse ativo. Não fere em nada a decisão da Fifa porque não tem participação direta em jogador. Tem participação em um fundo creditório.

EEC: Mas jogador finge lesão quando quer rescindir contrato, força a barra para sair, briga com treinador. Como seria um negócio atrativo e seguro ao mesmo tempo para investidores?
Bourgeois:
Se o produto fosse crível, com governança, com contrapartidas reais da parte do clube, o investidor teria garantias que o dinheiro iria para o destino certo. Dá para dar receitas do clube como garantias para que o investidor gere no mínimo 120% do CDI [taxa básica de juros usada por bancos para operações financeiras]. A primeira garantia é o direito econômico do jogador. Se ela não render, o São Paulo teria uma dívida no valor de 120% do CDI. Não é muito, porque hoje ele já deve a 200% do CDI. E se acontecesse uma grande venda, como a do Lucas, a remuneração do investidor subiria para 180%. Ele ganharia um bônus. Você pode achar que é bom ou ruim, mas nós acreditávamos no produto.

EEC: Acreditavam? Não mais? Você vai levá-lo a outros clubes agora?
Bourgeois:
Posso levar. Eu que montei o produto. Posso levá-lo para quem quiser.

EEC: E o que fará agora, após a saída do São Paulo?
Bourgeois:
Pretendo continuar no futebol. Tenho o objetivo de participar do que será a transformação do futebol brasileiro. Acho que tenho o que agregar. Quero continuar em clubes ou em qualquer tipo de projeto que possa transformar o espetáculo para os torcedores.

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