Chamada.jpg

A função do artista é violentar”, dizia o cineasta Glauber Rocha (1939-1981). Com essa filosofia na cabeça e um lápis na mão, o cartunista carioca Carlos Latuff, 44 anos, vem despertando paixões e ódios ao redor do mundo. Seu trabalho, povoado de críticas políticas e sociais, o colocou no terceiro lugar do ranking de maiores antissemitas de 2012 do Centro Simon Wiesenthal, organização com sede em Los Angeles (EUA), com mais de 400 mil apoiadores em todo o país. Para justificar a inclusão do brasileiro na infausta lista encabeçada pela Irmandade Muçulmana e pelo presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, o CSW lançou mão de uma charge publicada por Latuff durante os ataques de Israel a Gaza em novembro de 2012. A charge mostra o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu torcendo o cadáver de uma criança palestina da qual, no lugar de sangue, pingam votos.

1.jpg

Esse é apenas um na longa série de desenhos provocadores que marcaram a ascensão do artista brasileiro no Exterior e já lhe renderam livros na Jordânia, Suécia e Itália, além de extensos perfis em revistas e jornais internacionais, como é o caso do britânico “The Guardian”. Desde o final dos anos 1990, esses cartoons vêm saltando do papel para os muros e cartazes de protesto ao redor do mundo. Foi assim em 2011, durante a chamada Primavera Árabe, movimento que fez explodir a visibilidade de seu trabalho. Sua receita é simples: internet, arte e ativismo, conceito batizado por ele de “artivismo”. A militância já lhe rendeu três prisões no Brasil e um incontável número de ameaças e intimidações mundo afora. Mesmo assim, o carioca que cresceu inspirado pelos desenhos de Hanna Barbera e os truques de Gualba Pessanha, o “Plim Plim, mágico do papel” da TV Educativa, não tem nenhuma pretensão de dar descanso ao lápis e acredita estar no caminho certo, como afirma na entrevista a seguir.

Entrevista

ISTOÉ – Como você recebeu a notícia de que estava na lista de maiores antissemitas?
Carlos Latuff – Com muita tranquilidade. Eu tenho sido acusado de antissemita por organizações que apoiam Israel desde que comecei a desenhar sobre a Palestina. Essa tentativa de associar as críticas ao governo israelense com o ódio aos judeus é uma estratégia para criminalizar e silenciar os críticos. O rabino Marvin Hiers, fundador do CSW, já havia se manifestado publicamente contra mim dizendo que eu era “quase pior que antissemita” por ter feito aquela charge sobre o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

ISTOÉ – O que motiva essas acusações?
Latuff – Elas partem do lobby israelense, que é muito bem organizado. Eu nunca vi uma instituição antissionista judaica me acusar de antissemitismo. O ódio aos judeus não é uma mentira. Ele existiu e existe, e promover a tolerância é sempre necessário. Mas é inaceitável fazer uma manipulação em favor de um Estado sob o argumento de que se está combatendo o antissemitismo. Uma crítica à Arábia Saudita não é um ataque aos muçulmanos ou ao islã, assim como uma crítica ao primeiro-ministro de Israel não é um ataque aos judeus ou ao judaísmo.

ISTOÉ – Você tomará providências contra o Centro Simon Wiesenthal?
Latuff –
O relatório do CSW faz parte de uma disputa política e ideológica. A resposta, portanto, deve ir na mesma direção. O cineasta Silvio Tendler publicou carta em meu apoio que está correndo a internet e já conseguiu a assinatura de várias pessoas importantes, como o escritor uruguaio Eduardo Galeano, o sociólogo Emir Sader e o ator americano Danny Glover. Eu também abri uma petição pública para coletar a assinatura de pessoas comuns que não aceitam a manipulação do antissemitismo.

ISTOÉ – Você quer voltar à Palestina?
Latuff –
Eu gostaria, mas, enquanto tiver de passar pela alfândega israelense, não vou poder entrar. ­Intelectuais como Nor­man  Finkelstein e Noam Chomsky já foram barrados porque se opuseram às políticas de Israel. Depois de ter sido citado como antissemita tantas vezes, é pouco provável que me deixem entrar.

ISTOÉ – Quando você começou a trabalhar com os movimentos sociais?
Latuff –
Em 1998, quando fiz desenhos para os zapatistas no México. Depois, no início de 1999, visitei os territórios palestinos e passei a apoiá-los. Já no Brasil, comecei a trabalhar para os sem-terra, os sem-teto e para as vítimas da violência policial. Minhas charges ganharam projeção lá fora e outros movimentos requisitaram os desenhos. Esse trabalho é um exercício cotidiano de pisar em calos e esse incidente só me estimula a continuar porque me mostra que estou pisando nos calos certos.

Foto: Masao Goto Filho/ag. Isto É


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias