Cultura

A arte do inconsciente muito além da psiquiatria

IMS expõe cem obras dos esquizofrênicos Raphael e Emygdio

Pintura sem título feita por Emygdio em 1968
Foto: Emygidio de Barros / Museu de Imagens do Inconsciente
Pintura sem título feita por Emygdio em 1968 Foto: Emygidio de Barros / Museu de Imagens do Inconsciente

RIO - Até que ponto é relevante conhecer a personalidade de um artista para admirar sua obra? Raphael Domingues (1912-1979) e Emygdio de Barros (1895-1986) foram diagnosticados como esquizofrênicos quando eram muito jovens. Logo foram internados no Centro Psiquiátrico Nacional — atual Instituto Municipal Nise da Silveira —, no bairro do Engenho de Dentro, onde frequentaram o ateliê de artes do Setor de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação. Lá, produziram mais de três mil trabalhos, entre desenhos de Raphael e pinturas de Emygdio. Cem deles estão na mostra "Raphael e Emygdio: dois modernos no Engenho de Dentro", que o Instituto Moreira Salles (IMS) inaugura neste sábado, às 17h. A exposição busca analisar artisticamente a obra dos dois, sublinhando a importância de seus trabalhos para a compreensão da história da arte brasileira.

— Não queremos negar nem esconder o legado da dra. Nise da Silveira, mas sim separar os trabalhos da questão psiquiátrica — sublinha Heloisa Espada, coordenadora de artes visuais do IMS, que assina a curadoria da mostra ao lado do crítico Rodrigo Naves.

Fundado em 1946 pela psiquiatra Nise da Silveira, o Setor de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação nasceu com o intuito de criar uma alternativa aos procedimentos agressivos da época, como lobotomia e choque elétrico. Para a médica, a produção plástica era uma porta de entrada para a psique de seus pacientes.

Raphael e Emygdio participaram dos primórdios do ateliê, tendo sido assistidos pelo artista Almir Mavignier, monitor daquele espaço entre 1946 e 1951 e responsável pelo período mais rico da produção dos dois internos.

As obras, todas pertencentes ao Museu de Imagens do Inconsciente, chamam a atenção pela qualidade: os desenhos de Raphael, pela combinação entre vazios e elementos gráficos, o traço preciso e contínuo e suas composições equilibradas; as pinturas de Emygdio, pela espantosa organização de cores, com telas que, segundo Naves, não deixam nada a dever a Matisse e que fizeram com que Mavignier o comparasse a ninguém menos que Van Gogh.

— Emygdio é um dos maiores artistas brasileiros, de longe. É importante que o público entre em contato com o trabalho deles, tão pouco difundido — diz o curador.